A greve dos professores marcou a agenda deste país. Houve 11 dias de greve dos
professores com mais de 100 escolas encerradas em todo o país.
No último dia, no Porto, conforme nos disse fonte sindical da FENPROF, “a cidade parou para lutar pela escola pública.”
Ainda segundo a mesma fonte, houve “99% de adesão à greve e milhares de professores reunidos na Avenida dos Aliados marcaram o final da ronda de greves distritais.”
As greves não foram apenas as distritais da FENPROF e de outros sindicatos, que se iniciaram em Lisboa, mas também as do S.T.O.P que se realizaram por todo o lado.
Por cá, referiram à nossa reportagem as professoras Isabel Neves e Ernestina Tiago, “no nosso Agrupamento de Escolas de Mira a adesão tem sido muito significativa. Iniciámos no dia 12 de dezembro de 2022, com greve aos dois primeiros tempos letivos, tendo o número de professores a aderir aumentado de dia para dia. Durante o mês de janeiro, a Escola esteve encerrada seis dias. Fizemos ainda plenários sindicais que envolveram todo o pessoal docente e não docente do agrupamento, nos quais promovemos a organização de um cordão humano, desde a Escola Secundária até à Escola EB2 de Mira. Organizamo-nos para participar nas duas grandes manifestações em Lisboa, no passado dia 14 e agora, esta última, do dia 28 de janeiro.”
Ainda segundo aquelas docentes, “os pré-avisos de greve do STOP (Sindicato de Todos os Profissionais da Educação) abrangem também o pessoal não docente e os nossos assistentes operacionais aderiram desde o dia quatro de janeiro a esta luta, muito impulsionados por um plenário com intervenção do coordenador do S.TO. P., André Pestana. Estamos a lutar em conjunto, uma vez que, grande parte das razões da greve são comuns. Por exemplo, os nossos assistentes operacionais são muito mal remunerados. Um assistente operacional com 30 anos de serviço ganha pouco mais de 700 euros, (pouco mais que o ordenado mínimo nacional), uma diferença de pouco mais de 25 euros, em relação a um que integre agora a carreira. A falta de funcionários nas escolas é também um problema. Os rácios estabelecidos não são cumpridos.
Além do mais, exercem funções indiferenciadas, o que os obriga a desempenhar todo o tipo de serviços. Está também prevista a mobilização destes operacionais entre as escolas do agrupamento. Também tiveram o seu tempo de serviço congelado. Deve referir-se que as escolas não funcionam sem estes funcionários. São imprescindíveis e não são devidamente valorizados. Por isso estamos juntos e, nós professores, fazemos questão de estar a seu lado, a defender os direitos que merecem ver reconhecidos.”
As conversações com o Ministério da Educação “não têm tido o resultado esperado” dizem, e acrescentam que “para já, aguardamos que o Ministro da Educação aja, como diz, de boa-fé! Mas isso implica mostrar sinais de abertura e apresentação de medidas concretas. E isso ainda não aconteceu nas reuniões realizadas com os sindicatos. Já ouvimos falar muito sobre a necessidade de combater a precariedade da carreira docente, nomeadamente com a vinculação de contratados, mas não foram ainda clarificadas as condições. E já foi praticamente descartada a hipótese de negociação das outras reivindicações, o que é lamentável.”
As professoras Isabel Neves e Ernestina Tiago, prometem que “não vão desistir. A luta tem de continuar, a bem da sociedade futura e importa insistir e continuar a referir que é urgente repor a justiça. Primeiro ponto, para nós e todos os docentes já integrados na carreira, é imprescindível que, por exemplo, nos sejam contabilizados, para efeitos de carreira, os seis anos, seis meses e vinte e três dias, que trabalhámos com empenho e profissionalismo. Durante esse período, continuamos a nossa missão – formar crianças e jovens – e todos os dias nos apresentamos nas escolas para cumprir o nosso dever e o nosso serviço. Se trabalhámos e se descontámos os nossos impostos, exigimos a reposição desse tempo, nem que seja de forma faseada. Não abdicamos desse tempo! De referir que nos Açores e na Madeira esse tempo foi contabilizado, o que significa a existência de dois pesos e duas medidas num mesmo país.”
Carreiras congeladas, mal-estar e desconfiança
“Além do tempo congelado da carreira (6A 6M 23D)”, frisam que “há uma outra injustiça que urgia corrigir e que tem causado grande mal-estar entre os professores: todos os professores que entraram para a carreira antes de 2011 foram penalizados pelas normas transitórias decorrentes da alteração do estatuto da carreira docente (ECD) tendo-lhes sido subtraídos entre três a cinco anos de serviço que nunca foram recuperados. Por outro lado, todos os professores que vincularam após 2011, e a quem foi necessário integrar na carreira através da portaria 119/2018, viram todo o seu tempo contabilizado anteriormente a 2011. Os Açores já corrigiram esta injustiça, mas o continente, infelizmente, não. Por causa desta discrepância na contabilização do tempo de serviço, há várias petições a decorrer em Tribunal para corrigir esta situação inconstitucional.”
Continuando, dizem que “os estrangulamentos no 4º e no 6º escalão são perfeitamente inaceitáveis, antidemocráticos e geram mau estar e desconfiança entre pares, na escola. Se um professor obtém uma classificação de “Muito Bom” ou de “Excelente” é porque deu tudo de si à escola e aos seus alunos, porque deve ser penalizado? Isto é ou não desmotivante? Enfim, poderíamos ainda acrescentar muitos outros aspetos…”
Foi notícia de que houve autocarros barrados a caminho da concentração de Lisboa e, as docentes do Agrupamento de Escolas de Mira lembram que “o nosso Agrupamento levou a Lisboa um autocarro completo no dia 14 de janeiro. E mais pessoas manifestaram interesse, que não conseguiram obter lugar. Outros deslocaram-se em viaturas próprias. E voltou a levar um autocarro quase completo no dia 28 janeiro. Não fomos inspecionados nem numa, nem noutra viagem. No entanto, no dia 14 fomos recebendo, ao longo da viagem, notícias de que as forças de segurança estavam a revistar as mochilas dos professores, obrigando-os a colocar os alimentos na bagageira. Para evitar sermos multados, parámos na estação de serviço de Aveiras de Cima, a fim de proceder à mudança. Na altura, verificámos que um pneu tinha rebentado. Tivemos de ser transportados por outro autocarro que veio de Lisboa. Apesar deste contratempo, chegámos ainda a tempo da nossa Marcha pela Educação e o Agrupamento de Escolas de Mira mostrou que esteve presente com toda a garra! Curiosamente, à chegada ao Terreiro do Paço, fomos entrevistados por uma estação de televisão …”
Prejuízo para os alunos: um mal menor?
Nas greves relacionadas com o ensino há sempre quem, da parte dos pais, ache que, como nos disse uma mãe que pediu o anonimato, “os muitos dias sem aulas são prejudiciais para pais e alunos”, mas, adiantou, “eles têm razão em se manifestarem”.
Isabel Neves e Ernestina Tiago colocam o assunto na conversa que tiveram com a nossa reportagem e referem que “como em todas as greves, há prejuízo. No entanto, consideramos que lutamos pelo futuro dos nossos alunos. Estamos a dar uma verdadeira aula de Cidadania. Estamos a ensinar aos nossos alunos que se deve lutar pelos direitos e contra todas as formas de opressão. O direito à greve foi uma conquista do início do século XX. Esteve interrompido durante a ditadura. E nós queremos poder deixar esta herança aos nossos alunos. De referir que o prejuízo sentido não é o de agora. Mas aquele que já existe na Escola Pública. Não se diz por exemplo que, desde o início do ano letivo, mais de 40.000 alunos não têm, pelo menos um professor, a uma disciplina! Isso significa que os nossos alunos já estão a ser prejudicados há muito tempo, por diversas razões: pelo excesso de número de alunos por turma e alunos com diferentes necessidades de aprendizagem; pelo número insuficiente de psicólogos escolares, assistentes operacionais, assistentes sociais; pela falta de condições físicas e materiais; pelos currículos e programas disciplinares desatualizados e obsoletos e em constante alteração; por não haver professores e haver professores desmotivados, mergulhados em burocracia, que rouba o tempo necessário à preparação das suas aulas; por os professores não disporem, nos seus horários do tempo necessário para dedicar aos seus alunos; por não haver uma estratégia honesta e comprometida para a educação; porque os professores acumulam muitas turmas e níveis de ensino, e depois há a referir a angústia provocada pela instabilidade que esta profissão acarreta a nível pessoal e familiar. Uma grande percentagem dos professores desconhece o lugar onde vai trabalhar no ano seguinte. Isso acarreta muitas vezes a adaptação constante a um novo local de trabalho, a despesas acrescidas com alojamento e transporte e falta de apoio aos filhos.
Não podemos esquecer que, de 140.000 professores, muitos são também pais e, como tal, o prejuízo alarga-se aos seus próprios filhos. Pode ainda referir-se a política de alegado facilitismo que está instalada na escola pública, a tendência é passar os alunos mesmo que não saibam nada! Hoje interessa sobretudo trabalhar para as estatísticas.”
Ser professor ainda compensa?
As duas professoras referem que “apesar de tudo, a quem está entregue a esta nobre missão, ainda compensa ser professor! Para o professor, é o prazer de ensinar, de ajudar a crescer os alunos, que são o melhor da escola, é o que o move! Foi para ser professora que estudamos! Sendo a etimologia da palavra “aluno” proveniente de alere, que significa “alimentar, sustentar, nutrir, fazer crescer”, cabe ao professor esse nobre ofício de prover alimento para quem dele carece.”
Ernestina Tiago diz que “no meu caso pessoal, sou professora há 32 anos. Circulei por onze escolas, de norte a sul do país. Estive efetiva num Mega Agrupamento, durante 13 anos, fazendo 100 km por dia e circulando em três escolas diferentes. Pela primeira vez, estou colocada o mais próximo que estive de casa, 15Km. Sou professora de História e, infelizmente, o número reduzido de horas por semana à disciplina, implica que tenha muitas turmas. Neste momento tenho nove turmas, (seis de História e três de Cidadania e Desenvolvimento)! Cheguei a ter mais de 200 alunos e a corrigir perto de 1000 testes! Mas há colegas de algumas disciplinas, nomeadamente de Informática, que têm mais de 300! O que é uma verdadeira loucura em termos de elaboração de instrumentos de avaliação (de acordo com as especificidades dos alunos) e respetiva correção! Nem os nomes dos alunos muitas vezes, conseguimos saber! Apesar de cansada e desrespeitada pela tutela, ainda vejo a esperança renascida cada vez que se inicia um novo ano letivo.”
Isabel Neves refere que “também sou professora há 32 anos. Estive deslocada em nove escolas da Maia a Peniche e nos primeiros anos fui obrigada a concorrer ao grupo de recrutamento de português/francês, o então grupo 8ºB, por não ver reconhecidas as minhas habilitações e a minha profissionalização em inglês. Apesar da minha licenciatura ter sido de Estudos Franceses e ingleses, e quando foi possível, optei pela lecionação apenas de inglês. Estou neste agrupamento desde 2002. Este ano, tenho apenas seis turmas – 130 alunos – de três níveis diferentes, entre a EB2 e a Escola Secundária. Além disso, sou Diretora de Turma e subcoordenadora do Clube Europeu do AEM. Já fui professora de AECs no 1ºCEB em 2013/14.
Quando a disciplina de Inglês passou a ser uma área curricular obrigatória no 3º e no 4º ano de escolaridade, comecei a deslocar-me também às escolas do 1º CEB. Durante vários anos, mais precisamente até ao 2020/2021, tive de me deslocar a três ou quatro escolas no mesmo dia para cumprir o meu horário. Geralmente, começava na EB2, com um ou dois tempos letivos.
Depois, em 10 minutos de intervalo, seguia para a Secundária para lecionar outros dois ou três tempos letivos (3º CEB e ensino secundário). Almoçava rapidamente, para à tarde lecionar em duas escolas do 1º CEB. Início da tarde na EB1 do Seixo e final da tarde na EB1 do Casal de S. Tomé. Num mesmo ano letivo, cheguei a ter 5 níveis de escolaridade. Portanto, sou assim uma mistura de “homem dos 7 instrumentos” e de “professor caracol” com três pastas/malas organizadas, consoante o ciclo de ensino onde devia estar e sem tempo para confraternizar com os meus colegas ou trocar impressões sobre o que fosse necessário. Os meus intervalos e as pausas eram/são passados nas deslocações. Sempre sozinha. Claro que as deslocações eram/são feitas no meu próprio carro, com ajudas de custo de miséria a contar “de placa a
placa”, o que é simplesmente uma piada! Percorri todo o concelho de Mira e conheço todas as escolas, com exceção da Escola do 1ºCEB da Lentisqueira. No final do ano, o que recebia, não dava nem para um tanque de combustível. Curiosamente, creio que este é o ano mais tranquilo dos últimos tempos.
Partilho o sentimento da Ernestina. Apesar de todas as injustiças e do enorme desrespeito, apesar de me sentir a cada ano que passa cada vez mais cansada, física e psicologicamente, acredito no que faço e na força e no valor da minha profissão/missão. Por isso, continuo a dar tudo de mim, não só no âmbito do inglês, mas promovendo experiências e vivências significativas, dinamizando projetos e eventos, pois acredito que aprender e crescer não pode acontecer só dentro de “quatro paredes”. A Escola tem de ser vivida também fora da sala de aula.”
Na continuação da nossa conversa, estas docentes frisaram que “a nossa nobre missão de professores tem vindo a ser desacreditada desde há décadas, pelos sucessivos governantes, retirando autoridade aos professores e desacreditando a classe perante a opinião pública, o que refletiu na perceção que a sociedade tem dos professores.
Hoje estamos a pagar a fatura. Não há quem queira ser professor e o Ministro da Educação quer resolver esse problema à custa dos que ainda permanecem no sistema. A escola transformou-se num depósito de crianças e jovens, desvirtuando a sua função. Era importante que a sociedade percebesse o que de facto se passa. A Escola Pública, grande conquista da democracia, está doente! E só quem lá está percebe. Um país que não respeita os seus professores é um país sem futuro.”
E no final disseram esperar “uma melhoria considerável das condições de trabalho para todos os profissionais da e na Escola – pessoal docente e não-docente, psicólogos, terapeutas da fala, técnicos administrativos e especializados. E ainda, que devolvessem a autoridade, dignidade e respeito que os professores merecem, como pilares na construção de uma sociedade onde sejam respeitados os valores da democracia.”
A visão de uma mãe
Uma mãe que a nossa reportagem encontrou à porta da EB2 de Mira frisou que “não dá para compreender a posição do Governo. Se estamos a ser prejudicados, devemos “agradecer” ao governo de Lisboa. Os professores apenas fazem o que lhes compete fazer, ou seja, lutar.”
Operação STOP aos autocarros dos professores: mochilas revistadas e discursos adiados
A professora Alexandra Coimbra, pertencente ao Agrupamento de Escolas Rainha Santa Isabel, fez-nos chegar o seu testemunho referindo que “o STOP afirmou que, na ida para Lisboa, a 14 de janeiro, cerca de 100 autocarros foram mandados parar e foram inspecionados pelos agentes da autoridade e as intervenções finais foram sendo adiadas para que os colegas atrasados pelas “alegadas” inspeções por ordem superior das autoridades pudessem chegar a tempo para ouvir os discursos”.
Aquela professora referiu ainda que “a minha camioneta fez uma paragem não prevista para que “os arruaceiros e meliantes dos professores” colocassem as mochilas carregadas de “material perigoso” na bagageira. Há publicações nas redes sociais a denunciarem estes factos e a intervenção das autoridades a serem cirurgicamente apagadas.”
Professora Isabel Neves, acima. Professora Ernestina Tiago, abaixo.