Quando começa a “silly season” das promoções de vinhos nas prateleiras dos supermercados, não posso deixar de me questionar sobre o que vejo.
Nasci e fui criada na Bairrada e acompanhei de perto a vitivinicultura numa das regiões consideradas nobres na criação de vinhos.
Vi, e vejo diariamente, a luta do pequeno agricultor para arrancar das suas vinhas a compensação para um ano de labuta e de despesas, e não estranho que apenas os mais velhos se agarrem com tenacidade à manutenção de uma atividade que “não dá nem para o trabalho”. Os mais novos vão deixando as pequenas vinhas ao abandono ou, com sorte, conseguido vendê-las a empresas que, investindo na quantidade e mecanização, e, posteriormente, na produção e comercialização dos vinhos, conseguem algum sucesso.
Acompanhei de perto quanto trabalho, preocupação e dinheiro está numa garrafa de vinho. Deixando de lado o produto em si, só a embalagem e apresentação, os custos de distribuição e os impostos representam já uma boa fatia nos encargos do produtor que, não tendo grande capacidade de negociação, vai baixando até ao limite mínimo os preços e, por arrastamento os salários dos seus trabalhadores.
Quando vejo os supermercados praticarem descontos que chegam aos 80% não duvido que algo de muito estranho se passa.
Tendo em conta que o “dumping” (venda de produtos a preço inferior ao da compra ou produção) é ilegal e punido por força da lei, algo estará por trás deste negócio que atrai tantos consumidores finais.
- As margens de comercialização nos dias ditos normais são muito grandes?
- O preço dado como anterior está inflacionado e não corresponde à verdade? O efeito de ancoragem faz com que face a um “preço anterior, que pode, ou não, corresponder à realidade, a importância do desconto seja realçada e o novo preço mais convidativo.
- O produtor, num esforço para promover a marca e tirar dividendos futuros, abdica de qualquer ganho imediato, ou assume, em casos de falta de liquidez e necessidade urgente de fazer face a compromissos, eventuais prejuízos?
- Será que tudo isto não passa de uma campanha de marqueting usando a estratégia bem conhecida da criação de “gatilhos emocionais” nomeadamente a perceção da vantagem económica e o princípio da reciprocidade? Estão a ser meus amigos ao vender-me com desconto. Vou colaborar com eles, aceitando a “oferta” para que o possam fazer mais vezes.
Fiz algumas investigações e descobri que, nalguns casos, o preço de determinado vinho com 70% de desconto é exatamente o mesmo do praticado pela empresa e apresentado na página da mesma.
Descobri que outra técnica é a indicação em letras grandes da percentagem do desconto e, em letra pequenina, a indicação “ sobre o PVP recomendado” (preço de venda ao público) que nunca foi o praticado pelo supermercado.
Não compro vinhos em promoção nas grandes superfícies. Porque, olhando para a magnanimidade de oferta, tenho sinceras dúvidas se me estão a enganar, ou se estou a contribuir para a exploração do produtor na sua luta desigual com a grande distribuição que tudo pode e tudo consegue.
Tenho dívidas se, ao colaborar com este sistema de promoções, não estarei lentamente a “matar” os pequenos produtores que mantém viva a vitivinicultura na nossa região (e no nosso país) e a ajudar as grandes cadeias de distribuição a serem cada vez maiores.
Maria de Fátima Flores
Professora aposentada, militante do Partido Ecologista Os Verdes, eleita pela CDU na Assembleia de Freguesia de Arcos e Mogofores (Anadia)