Nasci numa época em que, para o povo, a “ a minha política é o trabalho” e em que, como dizia Salazar, “manda quem pode, obedece quem deve”. Ser político era “profissão” de pouco mais de um milhar de privilegiados e intervir nas decisões políticas não estava ao alcance da maioria dos portugueses.
O direito de voto não era universal. Segundo a legislação eleitoral, podiam votar os homens maiores de 21 anos, chefes de família, que soubessem ler e escrever e contribuíssem com um determinado valor para o Estado (100$00) bem como um número muito restrito de mulheres que fossem chefes de família ou tivessem, como habilitações mínimas, um curso geral dos liceus.
A partir de 1958, apenas os membros da Assembleia Nacional eram eleitos por sufrágio direto dos cidadãos. Todos os outros cargos políticos (presidente da junta e da câmara e Governador Civil) eram de nomeação, enquanto o Presidente da República era eleito por um colégio eleitoral (emanando da Assembleia Nacional, da Câmara Corporativa e dos órgãos municipais).
Os decisores políticos eram figuras distantes desconhecidas da maioria dos portugueses.
Hoje todos podemos votar e todos os órgãos políticos são sujeitos a eleição.
E ao contrário de então, a política passou a ser uma atividade de portas abertas.
Podemos assistir às sessões do parlamento e às assembleias municipais e de freguesia. A transmissão direta pela televisão ou pela internet de muitas delas aproximam os portugueses das tomadas de decisão em assuntos de interesse para a polis (cidade) ou seja, assuntos de política. Passámos a conhecer os políticos, a saber as suas opiniões e a seguir o seu trabalho.
Podemos mesmo dar a nossa opinião e contribuir com críticas e sugestões
Durante anos sentimos o trabalho dos políticos que elegemos – uma constituição que nos consagrava deveres, direitos e garantias, um Serviço Nacional de Saúde, uma escola pública aberta a todos, salário mínimo, subsídio de doença, de desemprego etc. – sem saber quem eram nem o que faziam na sua vida privada.
O importante para nós era o seu trabalho e não as “tricas” do dia-a-dia.
Hoje, a futilidade das informações prestadas pela comunicação social, o “diz que disse” de políticos que diariamente são chamados a comentar na televisão e nos mimoseiam com assuntos de interesse duvidoso começam a afastar-nos do que realmente interessa para as nossas vidas de cidadãos comuns.
O “quem disse, onde, com quem e porque o fez” começa a sobrepor-se à importância do que foi (ou não) dito e feito.
As vidas privadas dos políticos (onde almoçaram, com quem, o que comeram) começa a ocupar mais tempo de antena do que o trabalho que desenvolvem (ou não) nos lugares para onde nós os elegemos e onde esperamos que cumpram a missão que lhes atribuímos quando lhes entregamos ao nosso voto
O cumprimento do juramento que todos os políticos fazem quando iniciam funções, “Eu, abaixo-assinado, juro solenemente pela minha honra que cumprirei com lealdade as funções que me são confiadas”, que devia ser primordial na nossa avaliação da sua capacidade, fica obnubilado pelas “fofocas”, pelos amuos e pelas atitudes histriónicas de quem pouco faz mas muito diz.
O descrédito começa a instalar-se. A política (serviço da polis) começa a perder sentido. Lentamente começamos a pensar como os nossos avós, “A política é coisa que não me interessa. Eles só querem é tratar da vidinha deles.”
E quanto mais nos afastamos mais livres ficam os milhares de “privilegiados” sem preparação, sem capacidade e sem interesse que nos desgovernam e se vão governando.
A bola de neve que começou a rolar e a criar volume tem que ser parada antes que nos esmague a todos. E apenas nós somos capazes de o fazer. Virar as costas não é solução.
Maria de Fátima Flores
Professora aposentada, militante do Partido Ecologista Os Verdes, eleita pela CDU na Assembleia de Freguesia de Arcos e Mogofores (Anadia)