“Muitas pessoas gastam o dinheiro que não têm, para comprar coisas que não precisam e impressionar pessoas que não gostam.”
Esta é uma frase que me ocorre com alguma frequência. Associada a Will Smith. Uma frase que acredito que seja bastante pertinente para uma reflexão profunda sobre a felicidade. Abrangendo também temáticas como o consumismo, crises económicas, etc.
O que é que nos causa verdadeiramente felicidade? Será que há coisas que desejamos, que acreditamos que nos trariam muita felicidade se as tivéssemos, se as conquistássemos, mas que não passam de ilusões, de tentativas de compensação de algo mais interior que ainda não foi resolvido? Será que quando tivermos aquele carro e aquela casa, de “sonho”, bons para ostentar, seremos profundamente felizes? Será que quando conquistarmos o “primeiro lugar” em alguma competição seremos verdadeiramente felizes? Será que quando tivermos o “corpo ideal” seremos verdadeiramente felizes? Será que quando tivermos muito dinheiro (pois parece que nunca é o suficiente) seremos verdadeiramente felizes? Será que quando casarmos e tivermos filhos seremos verdadeiramente felizes? Será que se optarmos por uma vida “normal”, “politicamente correta” e “socialmente aceitável”, seremos verdadeiramente felizes? Pois, reflitamos diante estas questões.
Eu acredito que há duas grandes formas de se buscar a felicidade. Uma de “dentro para fora” e uma de “fora para dentro”. Pois, no fundo, todas as pessoas buscam a felicidade. Todas as pessoas querem ser felizes de alguma maneira. Todas as pessoas desejam harmonia, desejam paz, desejam viver uma vida com prazer de ser vivida.
A busca pela felicidade pode ter vários centros. Ou uma pessoa se centra em si mesma, ora, de “dentro para fora”. O que não tem nada a ver com egoísmo. Ou uma pessoa se centra fora de si mesma, ora, de “fora para dentro”. Que é no fundo a forma egoísta.
As pessoas que pensam que quando tiverem muito dinheiro, muitas coisas caras para ostentar, a par com o reconhecimento, aceitação e valorização das outras pessoas, serão felizes, mesmo que estejam profundamente infelizes, buscam no fundo uma felicidade de “fora para dentro”. Há muitas pessoas que desejam coisas exteriores para compensar faltas interiores. Só que compensação não é o mesmo que resolução. Ganhar uma medalha numa competição pode “compensar” a falta de autoestima, por causa de uma sensação de superioridade e importância que possa gerar, mas não a resolve verdadeiramente. Pois a autoestima não se resolve de “fora para dentro”, resolve-se apenas de “dentro para fora”. A valorização e aceitação das outras pessoas não resolve o problema da falta de autoestima. Pode no máximo compensar. Quero com tudo isto dizer que muitas vezes a felicidade que procuram é profundamente falsa. Sustenta-se com base em ilusões, fantasias e projeções de compensações.
Há muitas pessoas tidas como de “sucesso”, porque ganham muito dinheiro e têm um trabalho de “estatuto social”, profundamente infelizes, até no enquadramento profissional. Quantas figuras públicas já se suicidaram, tendo tudo aquilo que a maioria das pessoas deseja? Fama, sucesso, dinheiro, poder, aceitação, reconhecimento, sexo, etc. Pois. Sucesso não é algo que deve ser centrado de “fora para dentro”. Deve centrar-se de “dentro para fora”. O sucesso que muitas vezes procuramos, é no fundo uma tentativa inconsciente de compensação do nosso ego. No fundo queremos ser felizes, mas através de um caminho que não o realiza. Quantas pessoas destroem a saúde só para poderem ganhar o primeiro lugar numa competição? E mesmo que ganhem o vazio permanece. E a saúde deteriorou-se. Uma sociedade organizada no sentido em que sucesso é ganhar o primeiro lugar de seja o que for, é geradora de falhados e falhadas. Pois primeiro lugar é apenas para uma pessoa. Tudo o resto fica “derrotado”. Ora, o primeiro lugar contribui verdadeiramente para a felicidade de alguém, caso ainda não seja feliz? Resolve o problema da falta de autoestima? Creio que não.
Vamos imaginar uma pessoa que não gosta de si, não gosta do corpo que tem. Por causa disso depende emocionalmente da valorização das outras pessoas. Vai para o ginásio trabalhar o corpo, no sentido de conquistar o “corpo ideal”, aquele que julga que as pessoas irão gostar mais. Depois de conseguir esse corpo, apesar de em geral as pessoas nunca estarem satisfeitas com ele, será que resolveu o problema da falta de autoestima? Claro que não. O problema da falta de autoestima é essencialmente um problema de dependência emocional. Ela pode até ter criado o “corpo ideal”, mas se continuar a depender emocionalmente da valorização das outras pessoas, o problema da falta de autoestima não foi resolvido. Foi apenas compensado com o “corpo ideal”, se é que isso existe. A solução de criar o corpo ideal para as outras pessoas valorizarem mais é falsa, trata-se de tua tentativa de compensação, que acontece de “fora para dentro”. A pessoa que percebe que tem falta de autoestima e procura interiorizar, meditar, trabalhando-se interiormente, essa sim, estará a resolver o problema de “dentro para fora”. Ambas as pessoas buscam a felicidade. Uma através da resolução de problemas interiores, outra através da compensação com coisas exteriores. O mesmo aplica-se às “vitórias”, às medalhas de primeiro lugar que as pessoas procuram. São muitas vezes forma de compensação inconsciente. Não trazem verdadeiramente felicidade. Apenas poderão “compensar” a falta da mesma.
Felicidade todas as pessoas procuram. A grande questão é: como? Há pessoas que adorariam fazer algo profissionalmente, mas como imaginam que esse trabalho poderá não dar tanto dinheiro ou estatuto profissional (valorização das pessoas em que se quer satisfazer expectativas), tentam logo reprimir-se fingindo que não gostam assim tanto, no sentido de procurarem um trabalho que possa trazer mais dinheiro ou estatuto profissional (mais satisfação das expectativas das outras pessoas). O que poderá não se verificar. E que só poderá gerar infelicidade.
A felicidade tem de se procurar de “dentro para fora”, num processo de interiorização, de autodescoberta, de autoestima, de conquista de paz interior, de saúde, nunca de “fora para dentro”. Procurar felicidade na ostentação é procurar felicidade de “fora para dentro”. Quem projeta a sua felicidade nos outros está imediatamente fadado à infelicidade.
Capítulo da obra “Reflexões filosóficas sobre a felicidade Todos os Volumes” (Chiado Books, 2021). Autor Filipe Calhau.
Link para aquisiçao da obra, caso se pretenda algum aprofundamento intelectual na área:
Canal de Filosofia no YouTube: https://www.youtube.com/c/FilipeFerroCalhau/videos
Filipe Calhau é natural de São João da Madeira e residente com raízes familiares em Vagos. É licenciado em Filosofia pela Universidade de Coimbra. É consultor filosófico. É ativista filosófico e para uma pedagogia da felicidade. Membro da APAEF – Associação Portuguesa de Aconselhamento Ético e Filosófico, onde dá formação certificada em Individualogia. Foi conferencista na 5ª edição do Seminário de Estudos sobre a Felicidade, com o tema: “Ética a Nicómaco”, realizado na Universidade Católica Portuguesa a 29 de maio de 2019. Investigador integrado no projeto “Perspetivas sobre a felicidade”, Contributos para Portugal no WHR (ONU). Tem um canal de filosofia no YouTube e várias obras publicadas na área (18 obras ao todo, publicadas em Portugal e no Brasil).