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OPINIÃO: AUSTERIDADE, SERIEDADE E ALEGRIA

Opiniao

É muitas vezes confundida seriedade com austeridade. Com austeridade emocional. Há pessoas que pensam que para serem sérias, para poderem ser sérias e íntegras, precisam de ser austeras. Não podendo rir ou sorrir. Como se imediatamente a seguir ao sorriso se deixasse de ser sério. Como se as duas coisas não pudessem existir ao mesmo tempo, sem incongruência. Como se: riu-se logo não estava a ser sério. Sorriu, logo, não estava a ser sério. Como se a condição de possibilidade da seriedade fosse a ausência total de riso e sorriso, a ausência total de alegria. É que nem um esboço de alegria pode ser demonstrado… O que eu acredito que, além de estar completamente ao lado, pode indicar vários tipos de patologias emocionais. Neuroses. Repressões e opressões afetivas e sexuais. Medos. Sentimentos de culpa. Etc. Tendo também origem em arquétipos socioculturais. 

Seriedade é uma coisa, austeridade é outra e alegria é outra. Segundo esta definição, é possível ser-se sério, integro, e ao mesmo tempo ter alegria no coração, manifestando-se em sorrisos e risos. É possível ser-se uma pessoa austera, e ao mesmo tempo não se ser uma pessoa séria, íntegra. O que não “combina” é austeridade com alegria, pois austeridade emocional significa entre outras coisas ausência de alegria, de leveza. Pelo menos para a mensagem que pretendo transmitir. 

São muitos os pais que educam os filhos de forma austera, são muitos os patrões, e patroas, que tratam os/as colaboradores/as de forma austera, fria, insensível e até atroz, porque acreditam que só assim poderão ser levados/as “a sério”. Como se, para uma pessoa poder inspirar respeito e seriedade nas outras pessoas, tivesse de ser profundamente austera. O que além de falacioso, é bastante infelicitário. A austeridade emocional é (inconscientemente) uma forma de repressão emocional, acontecendo por causa da mesma. Quem se trata com austeridade, projetando essa mesma austeridade, direta ou indiretamente, nas outras pessoas, acaba por se reprimir e por reprimir essas mesmas pessoas. Mesmo que de forma inconsciente. Criando ambientes profundamente nocivos. Onde as pessoas não se sentem bem. Não se sentem livres. Leves. 

A austeridade emocional acaba por ser uma forma de violência interior. E nos relacionamentos acaba por ser uma forma de violência relacional. Realizando-se em estados de exigência, culpa e julgamento profundamente doentios. Temos de compreender que, em nome da felicidade, individual e grupal, precisamos de retirar a austeridade nos nossos peitos e comportamentos. Pois, com austeridade emocional, só poderemos criar uma sociedade cheia de pessoas traumatizadas. Miseráveis. Por muito dinheiro que tenham. Uma pessoa cheia de austeridade emocional, não interessa o dinheiro que tenha, o sucesso, o poder ou o “estatuto social” que tenha, será interiormente miserável. Pois é impossível imaginar uma vida de felicidade em que as pessoas estejam mortas por dentro. Frias, fechadas, sem riso nem alegria. Nem prazer. 

Temos de aprender que podemos ser pessoas sérias, íntegras e responsáveis, e ao mesmo tempo levar a vida com leveza, riso e alegria, inspirando a confiança e o respeito das outras pessoas. A austeridade emocional fecha as pessoas, aprisiona-as, não as deixa amar. Cria estados doentios de Ser. Sendo já também um sintoma de outros problemas que precisam de ser resolvidos. A austeridade emocional é gerada em ambientes de medo, culpa, julgamento, exigência em demasia, perfeccionismo. Etc. Com austeridade emocional as pessoas separam-se umas das outras, repulsam-se umas às outras. Ninguém se sente propriamente bem ao pé de uma pessoa cheia de austeridade emocional. Pois cria uma aura desagradável. Opressora e repressora. Uma pessoa austera é uma pessoa em “modo de defesa”. Tem medo de sofrer. Mas ao mesmo tempo gera ainda mais sofrimento, afastando o carinho e o afeto da própria vida. Não basta querer receber amor das outras pessoas, não basta “exigir” amor das outras pessoas. É preciso dar. É preciso abrir-se para dar e receber. Tratar as outras pessoas com austeridade e esperar amor em troca não funciona. Pois as pessoas que são tratadas com austeridade acabam por se “defender”, afastando-se. Portanto, a austeridade emocional é completamente incompatível com uma vida de felicidade, por ser completamente incompatível com uma vida de amor. Uma vida de carinho e de afeto. Uma vida de bondade e leveza. 

Se as pessoas querem ser felizes, têm de, aos poucos, ir perdendo a austeridade emocional que têm dentro de si mesmas. Escolhendo o amor ao invés do medo. Nunca esquecendo que podem ser sérias e ao mesmo tempo serem íntegras, responsáveis, inspiradoras de confiança e felizes. 



Capítulo da obra “Reflexões filosóficas sobre a felicidade Todos os Volumes” (Chiado Books, 2021). Autor Filipe Calhau.

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Canal de Filosofia no YouTube: https://www.youtube.com/c/FilipeFerroCalhau/videos

Filipe Calhau é natural de São João da Madeira e residente com raízes familiares em Vagos. É licenciado em Filosofia pela Universidade de Coimbra. É consultor filosófico. É ativista filosófico e para uma pedagogia da felicidade. Membro da APAEF – Associação Portuguesa de Aconselhamento Ético e Filosófico, onde dá formação certificada em Individualogia. Foi conferencista na 5ª edição do Seminário de Estudos sobre a Felicidade, com o tema: “Ética a Nicómaco”, realizado na Universidade Católica Portuguesa a 29 de maio de 2019. Investigador integrado no projeto “Perspetivas sobre a felicidade”, Contributos para Portugal no WHR (ONU). Tem um canal de filosofia no YouTube e várias obras publicadas na área (18 obras ao todo, publicadas em Portugal e no Brasil).

 

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