Creio que não preciso de fazer um grande discurso para conseguir explicar e demonstrar que nenhum problema se pode resolver verdadeiramente sem ser pela raiz. Pelo princípio. Em filosofia aplicada, no princípio da radicalidade, compreendemos a necessidade de se ir à raiz dos problemas, para os podermos resolver verdadeiramente. Não basta limar arestas e pôr uns “pensos” nos problemas. Uma casa que não tem bons alicerces, que não tem uma boa estrutura, está mal construída pela raiz. Se queremos uma casa bem construída, temos de construí-la com bons alicerces, temos de construí-la com uma boa estrutura. Caso contrário teremos uma casa relativamente insegura naquilo que deveria ser mais seguro.
Da mesma forma, se uma pessoa é muito stressada, e por causa disso começa a desenvolver problemas cardíacos e até em termos de sistema imunológico, não se curará necessariamente com a medicação adequada. Pois a medicação irá compensar, irá remediar, não irá necessariamente tratar pela raiz. Além dos possíveis efeitos secundários que a medicação poderá trazer. A pessoa poderá sofrer de stress por causa da sua filosofia de vida, por causa de um conjunto de crenças e traumas que poderá ter de colocar em causa. Filosofia de vida essa, por exemplo, que poderá ter de ser alterada, mudando aspetos centrais da sua vida, para que deixe de sofrer de stress, e assim deixe de sofrer do coração, não tendo de tomar medicação por causa disso. Neste caso hipotético, consegue-se perceber qual é a importância e radicalidade problemáticas que se encontravam na filosofia de vida que precisaria de ser alterada. Há filosofias de vida que causam doenças e infelicidade e filosofias de vida que causam saúde e felicidade. Temos de compreender isso.
Já percebemos que, em termos terapêuticos devemos sempre ir à raiz problemática. Portanto, já sabemos que, quando temos um problema, se o queremos resolver verdadeiramente, temos de recuar causalmente até à sua origem, e alterá-la positivamente. A questão importantíssima que se segue é: Não será ainda mais «radical» conseguir evitar e prevenir a realização desse problema? Se reconhecermos que a Educação tem um papel central para a formação das pessoas, nomeadamente para a criação de pessoas felizes, teremos também de reconhecer a importância da mesma para se evitar certos problemas. Mais importante do que resolver problemas, talvez seja evitá-los (no futuro). Depois de se aprender com eles (no passado e presente). Mais importante do que criarmos grandes terapêuticas, é criarmos a desnecessidade das mesmas.
Vamos imaginar metaforicamente uma pessoa que se agride constantemente, com as suas escolhas, crenças, hábitos alimentares, etc. Vamos imaginar que se agride fisicamente. Num ato de autoflagelo. Esmurraçando a sua própria cara, com as suas próprias mãos. Após as autoagressões vai ganhando pisaduras na cara. E por causa dessas pisaduras, vai procurando as melhores pomadas para as tratar. Acham que adianta alguma coisa continuar procurando as melhores pomadas que possam existir no mercado? As pomadas poderão ajudar na recuperação, além de poderem ter efeitos secundários, mas tratarão o problema pela raiz? Claro que não. As pomadas serviriam para remediar, ajudariam na recuperação, mas se a pessoa continuasse a agredir-se, de nada serviriam verdadeiramente. Pois a raiz problemática é a autoagressão que precisa de ser abandonada, como “filosofia de vida”. Uma autoagressão que poderá ter como base uma Educação deficiente, cheia de lacunas. Há pessoas que são educadas a auto agredirem-se. Mesmo que de forma indireta e inconsciente. Se fossem educadas a cuidarem de si verdadeiramente, talvez não se auto agredissem tanto. Quero com isto dizer que, qualquer problema que tenhamos na sociedade, tem necessariamente a ver com problemas na ordem da Educação. Direta ou indiretamente. Se os queremos resolver temos de pensar pedagogicamente. Caso contrário não os poderemos resolver pela raiz, apenas andaremos a remediar e limar arestas.
Se numa sociedade há muitas pessoas doentes, frustradas, insatisfeitas e infelizes, a precisarem de terapeutas de todas as formas, temos de compreender que sim, precisam deles, mas acima de tudo precisam que se repense o sistema de Educação que potenciou e gerou os problemas de que padecem. A Educação tem de ser vista como um investimento, não como uma despesa. Se não investirmos na Educação, se não investirmos numa pedagogia da felicidade, por exemplo, que trate todas áreas humanas que já há muito tempo provam, evidenciam, estar cheias de problemas, continuaremos a precisar de terapeutas, que terão de tentar compensar aquilo que poderia ter sido evitado com a Educação adequada. Não se trata apenas de evitar problemas, trata-se de aprender com aqueles que já existem. Qualquer problema social tem de ser pensado pela sua raiz causal, o que implica a necessidade do enquadramento pedagógico para a sua resolução. Tendo em atenção a lei do determinismo em que, criando-se as mesmas causas obter-se-ão os mesmos efeitos. A Educação é uma das raízes causais de quase todos os problemas socias que as pessoas vivem. Direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente. Uma sociedade em que se procura a melhor terapêutica, sem se procurar a melhor Educação, tem tudo para continuar com os mesmos problemas. Se há muitas pessoas doentes na sociedade, é porque quase de certeza há uma lacuna na Educação, nesse sentido. Se há muitas pessoas infelizes na sociedade, é porque quase de certeza há uma lacuna na Educação, nesse sentido. Ora, é importante termos em conta uma das quatro nobres verdades da filosofia budista: «a causa do sofrimento é a ignorância». Neste caso, podemos pensar que a causa de muitos sofrimentos é a ignorância que não é colmatada na Educação. Não podemos ter uma Educação que cria pessoas doentes, direta ou indiretamente, e depois apenas unir esforços para remediar os doentes. Temos de criar uma Educação que não continue a criar as pessoas doentes, com o objetivo de evitar o máximo possível a criação dessas mesmas pessoas doentes. Não se trata apenas de uma responsabilidade individual. A felicidade e infelicidade das pessoas também se prende numa responsabilidade pedagógica. Obrigar as pessoas a formarem-se nos Sistemas de Ensino, para depois dizer-lhes que a infelicidade é apenas da responsabilidade das mesmas, penso que não será a melhor ideia. Claro que também não será boa ideia iludir as pessoas com a ilusão de que a infelicidade que sentem é apenas da responsabilidade dos Sistemas de Ensino. Pois a responsabilidade será sempre “mútua”. Apesar de ser principalmente individual.
Num assunto como a felicidade, temos de apostar essencialmente na prevenção, temos de apostar essencialmente na Educação. Nunca apenas na remediação.
Capítulo da obra “Pedagogia da felicidade” (Chiado Books, 2021). Autor Filipe Calhau.
Filipe Calhau é natural de São João da Madeira e residente com raízes familiares em Vagos. É licenciado em Filosofia pela Universidade de Coimbra. É consultor filosófico. É ativista filosófico e para uma pedagogia da felicidade. Membro da APAEF – Associação Portuguesa de Aconselhamento Ético e Filosófico, onde dá formação certificada em Individualogia. Foi conferencista na 5ª edição do Seminário de Estudos sobre a Felicidade, com o tema: “Ética a Nicómaco”, realizado na Universidade Católica Portuguesa a 29 de maio de 2019. Investigador integrado no projeto “Perspetivas sobre a felicidade”, Contributos para Portugal no WHR (ONU). Tem um canal de filosofia no YouTube e várias obras publicadas na área (18 obras ao todo, publicadas em Portugal e no Brasil).