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OPINIÃO: A HISTÓRIA DO VELHO, DO MENINO E DO BURRO

Opiniao

Não é necessário pegar neste conto, nesta história, para se refletir acerca da necessidade de não se depender emocionalmente do que os outros pensam, e da problemática de se andar sempre a tentar satisfazer as expectativas que os outros possam ter de nós. Todavia, creio que o conto é interessantíssimo para se enquadrar filosoficamente. 

Para quem não estiver familiarizado, e já vi esta história ser contada de diversas maneiras, trata-se de um momento em que um velho, teve de ir ao mercado vender os seus produtos agrícolas, juntamente com um menino (o seu neto), e um burro. Ele morava numa pequena aldeia, e até ao mercado da cidade teria de atravessar várias aldeias, pelo caminho. 

Pôs-se então a caminho, a pé com o seu neto, enquanto o burro levava a carga. A passar na primeira aldeia, ouviu pessoas a julgar em voz alta: tão ignorantes, em vez de irem em cima do burro, vão a pé para se cansarem mais. O velho, ouvindo isso, decidiu que ambos deveriam montar em cima do burro e seguir caminho. Na aldeia seguinte ouviu pessoas a julgar em voz alta: coitadinho do burro, que tem de fazer este percurso todo completamente sobrecarregado. Ouvindo isso, o velho decidiu que deveria montar em cima do burro enquanto o menino iria a pé, e seguir caminho. Na aldeia seguinte ouviu pessoas a julgar em voz alta: coitadinha da criança que vai a pé enquanto o velho vai em cima do burro. O velho ouvindo isso, decidiu ir ele a pé enquanto a criança iria montada. Seguiu então caminho. Ao passar na aldeia seguinte ouviu pessoas a julgar em voz alta: coitadinho do velho, que vai a pé enquanto a criança, ainda cheia de jovialidade, é que vai em cima do burro. 

Ora, qual é a moral da história? Todas as soluções que o velho idealizou e pôs em prática, foram julgadas, foram criticadas negativamente. E isto aplica-se à vida num sentido geral. Seja o que for que uma pessoa faça, haverá sempre alguém a julgar, a criticar negativamente. Portanto, mais vale deixarmos de fazer as nossas escolhas em função do que os outros pensam. Pois além de as pessoas pensarem todas de forma relativamente diferente, por vezes, só querem julgar, só querem criticar negativamente, só querem atacar. Não dá para satisfazer as expectativas de todas as pessoas. Nem sequer é suposto que o tenhamos de fazer. Só faz de tudo para satisfazer as expectativas que os outros possam ter de si, quem não tem autoestima. Quem tem medo da rejeição. O que tem tudo a ver com dependências emocionais. Inconscientemente e indiretamente, quem faz isso, quer apenas que as outras pessoas gostem de si. Sujeitando-se a viver em função das mesmas. E a uma profunda inconstância que só poderá gerar uma profunda insatisfação. Além de poder gerar sentimentos de culpa. Pois nunca dá para satisfazer totalmente as expectativas que as outras pessoas poderão ter de nós. 

A dependência emocional é relativa a um problema filosófico por excelência, pois é relativa a um condicionamento da liberdade individual. A liberdade intelectual, a liberdade de pensamento. Quem tem medo de pensar de forma diferente, de falar algo diferente e ser algo diferente, por ter medo de ser rejeitado pelos outros, diferentes, por não ter autoestima, tem um problema filosófico em mãos. Pois a liberdade intelectual que é condicionada de forma inconsciente é relativa a um problema filosófico por excelência. Portanto, sim, a falta de autoestima é um problema de ordem psicológica e emocional, mas também um problema filosófico, com consequências filosóficas. 

Tentar satisfazer as expectativas que uma pessoa em específico possa ter de nós, já poderá ser um problema gravíssimo, ainda mais será se o tentar fazer diante muitas pessoas, relativamente à mesma questão. A raiz problemática é a mesma: falta de autoestima. Se não for tratada, a pessoa nunca poderá ser verdadeiramente feliz, pois nunca poderá ser verdadeiramente livre. Pois, tal como a verdadeira autoestima, a verdadeira liberdade acontece de “dentro para fora”. Tenhamos isto em atenção em todas as escolhas que fizermos, que tivermos de fazer, na vida. 



Capítulo da obra “Reflexões filosóficas sobre a felicidade Todos os Volumes” (Chiado Books, 2021). Autor Filipe Calhau.

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Filipe Calhau é natural de São João da Madeira e residente com raízes familiares em Vagos. É licenciado em Filosofia pela Universidade de Coimbra. É consultor filosófico. É ativista filosófico e para uma pedagogia da felicidade. Membro da APAEF – Associação Portuguesa de Aconselhamento Ético e Filosófico, onde dá formação certificada em Individualogia. Foi conferencista na 5ª edição do Seminário de Estudos sobre a Felicidade, com o tema: “Ética a Nicómaco”, realizado na Universidade Católica Portuguesa a 29 de maio de 2019. Investigador integrado no projeto “Perspetivas sobre a felicidade”, Contributos para Portugal no WHR (ONU). Tem um canal de filosofia no YouTube e várias obras publicadas na área (18 obras ao todo, publicadas em Portugal e no Brasil).

 

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