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OPINIÃO: A EDUCAÇÃO NA ORDEM DO DIA

Opiniao

Os professores estão em luta. E o país deveria estar de luto. 

Todos os telejornais, diariamente, fazem peças jornalísticas e reportagens à porta de novas escolas. Todos os dias há mais umas quantas escolas fechadas. As ações que se veem na rua são inéditas, fortes, dignas, carregadas de simbolismo, de dor, de desilusão, de frustração. Não há memória de um movimento tão genuíno, tão coeso, tão crescente, com tanta expressividade e por tanto tempo ininterrupto.

O descontentamento de quem vive na Escola Pública é crescente. A fuga de professores é em massa e não os há. 

Não será tanto uma questão de dinheiro que move os milhares de professores que estão na rua. É mais uma questão de dignidade, de respeito, de transparência e de valorização. 

São milhares os que se concentram à porta das suas escolas para não deixar passar a nova proposta de gestão de pessoal docente, através de perfis e critérios duvidosos, desrespeitando a graduação profissional. Ao sabor de agendas políticas, das militâncias pagas e do “lambe-botismo” futuro que já se adivinha e que já fede, a diretores, presidentes de câmara ou outros organismos locais ou regionais. Não passará!

São milhares que se concentram pela recuperação do tempo de serviço efetivamente prestado e não pago nem contabilizado. Não passará!

São imensos que se revoltam contra os milhares do quilómetros percorridos todos os meses, porque são obrigados a ter duas casas e duas terras e a passar os dias na estrada. E quantos destes colegas viram a mobilidade por doença negada, mesmo com doenças incapacitantes comprovadas! E quantos deles ao fim de muitos anos próximos de casa por esse mesmo motivo foram novamente atirados para longe, sujeitos ao desgaste físico e psicológico e às complicações de saúde inerentes! Não passará!

São milhares contra a violência física e psicológica que se vive em centenas de escolas por este país. Não passará!

São milhares que se manifestam contra as farsas que têm sido os sucessivos e inomináveis estudos, decretos e projetos implementados, como o Dec.-Lei 54/2018, o Projeto Maia e tantos outros que em nada acrescentaram mais-valia à vida de quem está nas escolas, sejam alunos ou professores, porque estão no papel, em teoria poderiam até ser bons (alguns), mas na prática não funcionam, simplesmente porque se esqueceram que para os implementar é preciso contratar, formar docentes e auxiliares e que estes tenham tempo letivo para tal. Não passará!

São milhares que se manifestam contra o desinvestimento (a todos os níveis) na Educação e no facilitismo que se vive na avaliação e na formação dos alunos. Não passará!

São milhares que se manifestam contra o excesso de papel e de burocracia, a reboque das crenças e implementações de teóricos de gabinete que raramente metem os pés numa escola, mas que frequentemente metem os pés pelas mãos. Não passará!

São milhares que se manifestam contra esta avaliação injusta, por quotas, em que colegas avaliam colegas, fomentando o mau ambiente e a desunião. Não passará!

 

Quanto tempo mais vão ignorar o problema o senhor ministro e o senhor primeiro-ministro? Quanto tempo mais vão ignorar que há escolas a fechar desde o início de dezembro e que não se vislumbra que tal termine, porque desta vez ninguém amordaça os professores nem os divide?

Quanto tempo mais vão ignorar que há professores parados desde o início deste movimento?

Quanto tempo mais vão negar que os professores, os auxiliares, os psicólogos, os técnicos, os pais e os alunos estão na rua? E que estão juntos e que desta vez é uma luta de todos?

Quanto tempo mais vão ignorar que há professores acampados em frente ao Ministério?

Quanto tempo mais vão ignorar que estiveram 30000 em Lisboa há uns dias e que facilmente esse número será dobrado no próximo sábado e triplicado em fevereiro?

Quanto tempo mais vão ignorar que a Escola está doente, muito doente, moribunda e que os seus profissionais estão de luto?

Quanto tempo mais demorarão a perceber que para a sociedade a Escola virou um mero depósito de adolescentes e que o seu papel praticamente se esgota aí?

Quanto tempo mais demorarão a entender que a falta de educação nos alunos e nas famílias é gritante e que os professores passam a vida a gerir conflitos e a ser maltratados, ameaçados, intimidados, humilhados?

Quanto tempo mais demorarão a entender que se passam os dias a justificar o que não é justificável? E que mesmo justificado, a culpa será sempre do professor: ou porque não adequou, ou porque não fez diferenciação pedagógica, ou porque não chegou ao aluno, ou porque não chegou ao pai, ou porque não adaptou o suficiente, ou porque não articulou com não sei que instituição, ou porque faltou um email para o técnico a, b ou c? 

Quanto tempo mais vão ignorar que se passa 60 ou 70% do tempo a preencher grelhas, papéis, relatórios e emails para dúzias de organismos diferentes, provando, evidenciando, salvaguardado tudo o que se faz, porque se vive um clima de medo, de insegurança, de desconfiança, em que a palavra e a atuação do professor por si só nada vale? E nunca nada é bastante!

Crescem os professores missionários. Crescem as reuniões e reuniõezinhas para discutir, apresentar, aprovar, votar, articular…  em sede de grupo, de departamento, de conselhos pedagógicos, de conselhos de diretores de turma… para no fim se espremer e não deitar nada.

Quanto tempo mais se ignorará que é cada vez menor o tempo dedicado à formação, à preparação de aulas e atividades letivas, ao tempo de qualidade com os alunos, à oportunidade de criar ligação e empatia com os jovens, porque afinal os professores são meras máquinas ao serviço de um sistema falido e esgotado? 

Quanto tempo mais vão ignorar que dentro de poucos anos regressaremos à Telescola, porque não há professores, nem novos licenciados na área da educação?

Como me comentava há dias uma amiga e colega de profissão, à porta da sua escola fechada, com os seus professores ao portão: “Debaixo destas cinzas ainda há muito fogo!”.

Esgotaram-nos, queimaram-nos, roubaram-nos, violaram-nos, desmotivaram-nos, chuparam-nos o sangue e as entranhas, tiraram-nos a vontade, apagaram-nos a dignidade. Ignoraram-nos. Apagaram anos de vida e de trabalho a esta gente: a quem conta com 20, 30, 40 anos de dedicação à causa e à missão. Mas não nos tiraram a força de acreditar, de dizer não e de recusar que nos espezinhem novamente. Porque a lutar também estamos a ensinar. 

No sábado, Lisboa será pequena para tanta contestação. E gritamos que não passarão!

Liberdade, querida Liberdade!

Luís Neto. Professor

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