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JOÃO VIEIRA: “ISTO É DESCARREGAR AS EMOÇÕES VIVIDAS E REPARTI-LAS ESSENCIALMENTE COM QUEM AS VIVE, PORQUE NÃO É FÁCIL PARTILHÁ-LAS COM QUEM NÃO AS SENTE”

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No final da conversa com João Vieira, que publicámos a 13 de agosto, deixámos a promessa de que ele iria contar-nos mais sobre o Voo Livre.

Aqui está a conversa já acabada.

 

“E o sonho de voar parecia concretizado. Pela primeira vez senti coisas que não se conseguem aqui explicar por palavras e sonhos a emergirem por tudo e por nada. Foram 2 anos a voar nas dunas e falésias, a melhorar a técnica de voo e a aumentar o role de amigos que hoje são como se fosse uma família grande que tenho”. E continua: “Tive a felicidade de encontrar bons pilotos que me ensinaram muito e bem, e de ter sempre como companhia o meu e único irmão de sangue, Francisco Vieira. Tive a felicidade de encontrar muita gente boa e humilde neste desporto e que nos chamam irmãos, mesmo sem sangue à mistura. O sonho dizia ali atrás, parecia concretizado, mas não estava simplesmente porque voar é muita coisa. Voar é reconhecer o quão pequeno nós nos podemos tornar, é sentir o “suspense” e o isolamento extremo, é experimentar um mundo que não é o nosso. Requer muito treino, muita habituação, muito conhecimento de aerodinâmica, orografia, meteorologia e outros como leis, espaços aéreos, etc.” João Vieira sublinha que “tem muito mais de ser do que de ter… É descarregar as emoções vividas e reparti-las essencialmente com quem as vive, porque não é fácil partilhá-las com quem não as sente.”

E recorda: “Via e acompanhava frequentemente os voos de grandes pilotos a nível nacional, alguns dos quais eram ídolos para mim e hoje são grandes amigos. Aquelas horas todas no ar, as centenas de quilómetros que voavam, os trajetos que faziam fascinavam-me, porque tudo aquilo era feito com um pano, com uns cordões, com um arnês e claro que, com muito conhecimento. O que descreviam fascinava-me. E nós sonhávamos… e íamos dando o corpo às balas. Já voava há 7 anos quando comecei a registar a maior parte dos voos por mim efetuados (cerca de 70%), registo que se manteve até à atualidade. Neste período registei perto de 950horas, dois voos acima de 200kms de distância, uma dezena com mais de uma centena de kms. Um voo em que atingi 4700m de altitude e que até à data e de acordo com o que está registado na Liga XC, parece ser o 2º mais alto efetuado em Portugal continental. Um voo de 8h e 16 minutos de duração. 3 recordes de distância nas descolagens da serra do Sicó (Fonte Coberta, Redinha e Rabaçal) e muitos voos inéditos e precursores para outros que aí virão.” As lembranças continuam: “Aterrei duas vezes na areia das praias do Oeste vindo do interior do País. Partilhei voos com dezenas de amigos. Partilhei voos com dezenas de abutres e enchi os cordões do parapente com teias de aranhas a 3000m de altura. Senti a frescura dos graus negativos quando no solo estavam 40 graus centígrados e o cheiro inodoro das gotículas que formam as nuvens. Passei no meio de nuvens de cristais de gelo. Passei concelhos, cidades, distritos, rios, barragens, serras, montanhas, fronteiras…” 

Percorreu muitos lugares e recorda: “Visitei muitos locais. Conheci e vi uma boa parte da Península Ibérica com este desporto e duma forma única. Aterrei e partilhei refeições e conhecimentos com gente que nunca tinha visto. Retirei de mim muita preocupação, muitas tensões e muitos problemas que na realidade não os são. Ganhei forças para lutar contra os infortúnios que a vida nos traz, com as “chapadas” que ela nos manda e forças para voltar a sonhar. Ganhei uma segunda família por aí…”

Quase a terminar adianta: “Nunca tive apoios e alguns prémios só me foram entregues por ter feito os melhores voos da época numa ou noutra categoria e inseridos em determinados eventos. Tracei alguns objetivos, mas nunca fiz competição a não ser com a minha sombra.”

E termina: “O que me falta fazer? Continuar a sonhar…”

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