Scroll Top

JOÃO FRADA: “GRIPE A (H1N1) DE 1918” REPRESENTOU, INDISCUTIVELMENTE, A OBRA MAIS MARCANTE DE TODA A MINHA VIDA ACADÉMICA E PESSOAL”

ENTREVISTAS

João Frada é médico pediatra, professor e escritor. Nasceu em Portomar e é aqui, no Jornal da Gândara, que vamos ficar a conhecê-lo melhor.

 

Médico pediatra, professor, escritor. Afinal, quem é o João José Cúcio Frada?

Na verdade, porque a prática da Medicina é, acima de tudo, uma Arte (Ars Medica), desejavelmente, gratificante para o médico e, sobretudo, para o doente, ela deve ser encarada e compreendida pela sua componente estética e anímica, pela importância do seu contributo humanístico, didático e pedagógico, e pelo seu rigor experimental, enquanto exercício lúdico, de caráter preventivo e terapêutico.

Na minha qualidade de Docente da Faculdade de Medicina de Lisboa e, simultaneamente, Clínico da Unidade de Urgência do Serviço de Pediatria do Hospital de Santa Maria (Lisboa), e, também enquanto cultor da escrita voltada para temas e matérias, especialmente, ligados à ciência médica, acabei por descobrir outras áreas culturais, não menos interessantes, no domínio das Humanidades, como a Antropologia e a História. Abertas estas três “janelas”, voltadas para o conhecimento científico do Homem, e, em particular, da criança, enquanto um ser físico, psicológico e social, na minha qualidade de espectador e investigador, vim a trilhar e firmar um percurso académico e intelectual que, ainda hoje, marca e define uma grande parte dos meus interesses pessoais e profissionais. Fortalecido por essa experiência cultural tão polifacetada, continuo a rever-me como Clínico pediátrico, Pedagogo e um Cultor da leitura e da escrita.

 

 Nos livros, escreveste vários livros desde a poesia, passando pelo tema das doenças e indo até ao romance. Qual o que mais te marcou?

Procuro viver e saborear, com entusiamo, tudo quanto me atrai, quanto faço, quanto investigo, quanto escrevo e leio, e creio que a minha maior experiência de pesquisa, reflexão e descoberta terá sido o estudo da Gripe Pneumónica de 1918 em Portugal Continental. Sem deixar de assumir as minhas obrigações profissionais, enquanto clínico…apenas fui compelido a gerir e reduzir esta atividade…durante cerca de seis anos, durante os quais cruzei o país, quase, de lés a lés e consultei inúmeros arquivos e bibliotecas, onde pude recolher uma infinidade de dados e notícias acerca desta pandemia e dos seus terríveis impactos socioeconómicos e epidemiológicos, mórbido-letais. O esforço exigido pela investigação e pela cuidadosa apresentação escrita de uma Tese de Doutoramento em Medicina (Epidemiologia), apresentada, defendida e concluída em 1998, na Faculdade de Medicina de Lisboa, subordinada ao tema da “Gripe A (H1N1) de 1918”, representou, indiscutivelmente, a obra mais marcante de toda a minha vida académica e pessoal.

 

A CLINFONTUR foi uma experiência ligada aos livros e à medicina. Que balanço fazes desta aventura?

O ano de 1983, com a 1ª edição do “Praia de Mira: visão histórica e etnográfica” (edição do autor), assinalaria a minha primeira tentativa no domínio da escrita e da publicação. Obra humilde, sem grandes pretensões literárias, com algumas lacunas no domínio da informação e da exposição temática, focando, apesar de tudo, os aspetos essenciais da vida desta comunidade piscatória, viria a ser, a posteriori, uma excelente lição pessoal, quer em termos da exigência de conteúdo estético-linguístico, quer no domínio estritamente editorial e da divulgação livresca. Após esta primeira experiência, alguns dos meus primeiros livros, publicados por editoras portuguesas de renome, acabaram por garantir a estas mesmas empresas inúmeras tiragens e volumes de vendas consideráveis. Mas, depressa pude constatar que o nível elevado de receitas provenientes destas transações, à mistura com edições piratas realizadas pelas mesmas empresas, ilicitudes judicialmente confirmadas, em nada me beneficiavam, em termos de direitos de autor dessas mesmas obras.

 

Sei que tens ainda muitos exemplares dos teus romances que não chegaram aos leitores. Como pensas alterar esse estado?

A má experiência enquanto autor de editoras pouco escrupulosas acabaria por ser o “gatilho” para a criação da “Clinfontur editorial”, em 2008, a qual viria a estar ativa, sob a minha direção, durante cerca de uma década. A partir daqui, cortadas todas as ligações com as várias editoras que publicaram livros meus, iria ser a “Clinfontur editorial” a responsável pelas edições e reedições dos meus livros, bem como a principal e única placa giratória dos mesmos, assumindo as relações de venda e distribuição com as principais distribuidoras e livrarias de Portugal e do Brasil. Esta experiência foi, na verdade, uma verdadeira aventura, mas, como tudo, tem os seus riscos e limitações. A minha saída da capital, onde a “Clinfontur editorial” estava/esteve sediada, gerou dificuldades intransponíveis e os elos desta engrenagem, a partir desta decisão pessoal e profissional, acabaram por colapsar. A interrupção da linha de venda e distribuição das obras editadas e comercializadas pela “Clinfontur editorial” acabaria por resultar num armazenamento, quase forçado, de um grande espólio de livros, não só dos Romances, como de outros títulos científicos muito procurados no mercado e agora, naturalmente, indisponíveis. Veremos como poderemos vir a relançar todas estas obras.

 

Não tens parado de todo. O que te faz correr?

Na verdade, nunca parei de correr, não só atrás do bem-estar físico, que marcou predominantemente a minha juventude, como em busca da realização intelectual e do conhecimento, para a qual despertei, definitivamente, no início da minha vida adulta. Ler, investigar e escrever constituem, atualmente, um exercício rotineiro imprescindível nas minhas horas de vigília. Tais exigências psicológicas e intelectuais diárias, certamente mais apuradas pela idade e pela experiência, continuam a ser o alicerce e, simultaneamente, a determinante fundamental do complexo exercício de cerebração, de memória, de raciocínio, de hermenêutica e de descoberta lexicológica, que caracterizam e têm marcado a minha atividade enquanto médico e enquanto escritor ou, melhor dizendo, criador de escrita.

 

Portomar é a terra onde voltas sempre. O que é que ela representa para ti?

Portomar?! É a minha terra natal…Bem, o chamamento das origens, dos sons, das cores, das vozes de familiares e amigos marcam-nos os genes e é ele que, um pouco como acontece com todos os seres migrantes, ou quase todos, nos fazem regressar e redescobrir os primeiros rastos do nosso percurso…foi, certamente, por isso que aqui voltei e que, tantos outros, como eu, regressam, temporária ou definitivamente, às suas origens.

 

O que se pode ainda esperar do médico e do escritor nos próximos tempos?

Do médico, enquanto houver crianças e o meu saber for útil a quem precisa ou sofre, enquanto as minhas competências físicas e profissionais responderem a tais solicitações, não tenho “meta-de-chegada” …

Do criador de escrita, que vê e sente, experiência e ficciona, ainda que a uma velocidade, necessariamente, compatível com a respetiva acuidade e capacidade neuronial, alguma coisa se poderá ainda esperar, com “mais arte ou menos arte” …porque não?!                               



Posts relacionados