Manuel Pimentel Castelhano nasceu no Seixo em 1943. Reside em Alcobaça. Sociólogo, autor de vários livros, dirigente associativo e tudo o mais que vai aqui descobrir. Não deixe de ler.
Estudou em Évora e em Lisboa, onde também trabalhou. Passou por Coimbra e vive em Alcobaça. Como é que “lida” com a terra que o viu nascer?
A nossa vida é uma peregrinação na terra, nos lugares, nos estudos, nos empregos, nas deslocações e dentro de nós mesmos.
A minha terra foi e é “a minha pequenina pátria.” onde eu volto sempre porque não me quero separar de mim mesmo, onde eu regresso das minhas viagens pelo mundo, para regar as raízes da minha existência, onde eu me confronto com a minha infância – uma família, uma paisagem, uma escola, uma brincadeira, um amigo que dali nasceu – onde cultivo essas lembranças e as escrevo. (Segundo Eduardo Lourenço o essencial da pessoa está decidida até aos 4 anos).
Mestre em Sociologia, tem nos seus livros uma descoberta constante do passado do Seixo. O que o faz reviver?
Num dos meus livros cito Leon Tolstoi: “Se queres ser universal começa por pintar a tua aldeia”.
Apesar de ter como referência o Seixo e as vivências de uma geração, os meus livros têm muito de universal e de intemporal. O Seixo é o paradigma das aldeias da Gândara, o coração da Gândara, a aldeia mais gandaresa da Gândara, perdoe-se-me o caseirismo. Sempre tive uma grande curiosidade pela vida do povo rural, pelas suas estratégias de sobrevivência, pelos seus modos de estar e de ser, enfim, pela sua cultura e pela sua “alma coletiva”. E essa singularidade aprofundou-se na sequência da minha formação na área da sociologia.
Foi presidente da Cooperativa Agrícola de Alcobaça. Que balanço faz desse tempo?
A Cooperativa, tirando alguns projetos paradigmáticos que liderei no Banco de Portugal, foi um dos maiores desafios da minha vida. Criada em 1932 foi a primeira e uma das maiores cooperativas agrícolas do País chegando a ter 15 000 associados, a empregar 150 pessoas e a gerir um orçamento superior à Câmara Municipal, o que na altura era muito expressivo.
Teve o seu período áureo nas décadas de 40 a 60 do século passado e teve uma rutura financeira desastrosa por volta da viragem do século. Para solver responsabilidade financeira teve de alienar todo o seu vasto património. Felizmente a Câmara Municipal de Alcobaça adquiriu em falência (pagando cerca de 10% do seu valor) as instalações da sede, subtraindo, e bem, aquele espaço aos especuladores imobiliários e salvando assim um valioso património social.
Quando fui convidado para assumir a sua gestão, em 2006, ainda era profissional, em Lisboa. Não tinha, assim, condições de assumir aquele desafio, tarefa que me diziam ser de todo impossível. Com algumas cautelas, para tomar conhecimento mais aprofundado da situação, aceitei a presidência do Concelho Fiscal. Com muita experiência de gestão e alguma autoridade de quem vem de fora e ainda mais do Banco de Portugal, (cerca de vinte anos em funções de gestão e, ao tempo, diretor de Emissão e Tesouraria e Administrador da VALORA- fábrica de produção de notas de euro) à medida que fui tomando conhecimento dos problemas fui propondo à direção, da qual tinha carta branca, algumas medidas de controlo de gestão.
E passados três anos, coincidindo mesmo com a data da minha reforma, candidatei-me e ganhei as eleições num dos processos eleitorais mais concorridos da história da Cooperativa. Num organismo falido havia tudo para fazer: instalações degradadas, dívidas, processos em tribunal, monos, empregados desmotivados, com idades elevadas e alguns cheios de vícios e, sobretudo, uma credibilidade totalmente abalada. Os associados deixaram de ter confiança na Cooperativa e desertaram. Para o processo de recuperação foi desenhado e cumprido à risca um ambicioso plano estratégico. Profissionalizar a gestão, estabelecer mecanismos de controlo rigoroso do negócio, qualificar os recursos humanos, negociar com a Câmara a permanência nas instalações, agora sua propriedade, reabilitar instalações, pagar dívidas, recuperar incobráveis, vender monos, foram tarefas muito complexas que demoraram alguns anos.
Tudo foi muito difícil, mas o mais problemático foi recuperar a confiança dos associados e do público na Cooperativa. Hoje com a Cooperativa modernizada, com um volume de negócio expressivo, com cerca de 1000 visitas por dia nas suas várias valências de negócios e serviços, sem incobráveis ou quaisquer dívidas à banca, pode dizer-se que a Cooperativa voltou a ser um fenómeno de “simpatia social”. (Ver Web-Cooperativa Agrícola de Alcobaça e Granja de Cister)
As suas ligações a ensino também são conhecidas. Como foi a sua experiência no Conselho Geral da Escola Profissional de Agricultura e Desenvolvimento Rural de Cister?
Paralelamente à minha atividade profissional fui, de facto, professor em vários instituições de ensino superior. Mas respondendo à sua questão: A EPADRC foi criada nos anos 30 do século XX por influência de um grande agrónomo – cientista, investigador, arqueólogo – Manuel Vieira Natividade – que teve a ideia de juntar várias instituições, entre as quais a Cooperativa, para a criação do ensino agrícola em Alcobaça.
Hoje é uma escola de referência nos domínios agrícola e da restauração traduzindo um pouco o aforismo “do prado ao prato”. Integrando o Conselho Geral em representação da Cooperativa fui eleito, entre os pares, para presidir àquele órgão.
É uma Escola que aposta na qualidade do ensino (hoje a agricultura é uma área profissional muito exigente em conhecimentos relacionados com a “agricultura de precisão” – tecnologias avançadas como a robótica, sensores, drones, câmaras, leituras do estado dos terrenos por satélite, sistemas sofisticados de rega, novas formas de produção, etc. No domínio da agricultura, um dos pontos fortes da economia do Concelho, sobretudo na área da fruticultura, temos garantido 100% de empregabilidade aos nossos alunos.
Formador, conferencista, não teve, não tem, tempo para descansar da caminhada. O que, ainda, o faz correr?
Uma vontade enorme de viver e adiar o mais possível a dependência. Tive e felizmente continuo a ter uma vida muito preenchida. Pisei muitos palcos e investi sempre muito na minha atuação socioprofissional.
Desde que deixei a atividade profissional, já lá vão mais de uma dúzia de anos, tenho procurado ajudar a comunidade onde estou inserido assumindo responsabilidades nas áreas do cooperativismo, do ensino e da solidariedade, tudo “pro bono”, como é obvio. Procuro dar à comunidade o meu contributo já que recebi dela benesses que me permitiram fazer uma carreira muito bem sucedida, por conta própria, isto é, sem necessidade de me encostar à política para progredir na vida. O meu sucesso devo-o exclusivamente ao meu trabalho, à minha persistência e, naturalmente, a algum sentido estratégico na condução da minha carreira.
“Servir com Alegria” é um dos seus livros. Este dedicou-o ao seu irmão Cónego Aníbal Castelhano. Além do vínculo familiar, ele foi um homem que o marcou?
Nascemos juntos, crescemos juntos e tive a felicidade de o ter, depois, como inspirador espiritual. Esteve sempre presente na minha vida, nas horas alegres e nas mais difíceis, nas grandes decisões e nas mudanças de rumo. A admiração era mútua. Mas, da minha parte, o que mais apreciava nele, para além da disponibilidade total para a Igreja e do sorriso como arma da sua ação pastoral, era a autenticidade e a postura despreocupada com a vertente material. Vivia com pouco e nunca lhe conheci ambições materiais. Sobre a autenticidade lembrava aqui o testemunho do Bispo de Coimbra inscrita no livro “Servir com Alegria”: “O Padre Aníbal deixou marcas indeléveis como só podem deixar aqueles homens autênticos que são aquilo que parecem e parecem aquilo que são”. Nas nossas conversas deixava sempre um rasto de paz. Uma saudade.
A personalidade que costuma destacar é a do Papa Francisco. O que representa ele para si?
Curiosamente o título que dei ao livro de memória a meu irmão foi inspirado nos lemas de ação apostólica do Papa Francisco.
Vivemos de referências e o Papa Francisco é para mim, como o será para a esmagadora maioria dos católicos, uma referência maior. Primeiro pelo seu exemplo de simplicidade e humildade advogando uma “Igreja pobre para os pobres” uma “Igreja que deve servir e não se servir”. Depois pela coragem com que tem enfrentado os complexos problemas e atribulações da Igreja
promovendo a abertura da Igreja a outras religiões num alargamento do diálogo inter-religioso, pedindo tolerância zero para os abusos sexuais perpetrados por membros da Igreja, empenhando-se na causa de migrantes e refugiados, apelando à paz e ao entendimento entre os homens, sobretudo nas zonas de conflito.
Sem me querer alongar, deixaria uma indicação aos leitores desta entrevista: Leiam e apreciem a profundidade da “Oração dos Filhos de Abraão” -proferida pelo Papa na cidade de UR (Caldeia) – cidade de Abraão- em março de 2021.
Foi deputado municipal em Mira. A política foi sempre um ato de cidadania ou algo mais?
À política procurei sempre dar o meu contributo técnico numa atitude desprendida, de cidadania. Apesar dos vários convites que tive para enfileirar na política, optei sempre pela vida profissional. Fui sempre um defensor de que um político deveria ser, sempre e acima de tudo, primeiro um bom profissional, um bom gestor, um bem-sucedido na vida normal. Fui sempre contra os políticos “cola-cartazes” que nunca fizeram mais nada na vida senão política. A vida é uma grande escola e a política, se não for temperada com as dificuldades da vida, tende a tornar-se uma escola de vícios.
Um político deveria poder sempre dizer: Não preciso da política para viver.
Reside em Alcobaça, vem muitas vezes a Mira e ao Seixo. Passa pela sua cabeça um regresso definitivo á sua terra?
O regresso ao chão sagrado que nos viu nascer é sempre uma ambição. Mas as raízes que criei aqui em Alcobaça são uma prisão que me condicionou a liberdade. Sobretudo a Quinta (*) onde vivo que foi um projeto paralelo a uma vida muito preenchida e que hoje está ativa e produtiva (mais ou menos a meias com o meu rendeiro produzimos cerca de trezentas toneladas de fruta). Por isso é muito difícil pensar em deixar tudo isto para trás.
Mas há duas coisas que invejo no Seixo: a dinâmica social da comunidade e a qualidade do apoio no Centro Social Paroquial. Participar de forma mais próxima até ao fim e sentir-me confortável na última cena da vida seria um fechar de pano perfeito.
(*) – A Quinta do Outeiro do Conde foi um projeto pessoal que traduziu a minha costela rural. JunteiN22 parcelas que fui adquirindo e que hoje se constituem numa propriedade com cerca de vinte hectares, 10 dos quais dedicados à produção de fruta- pera e maçã- em modo de “produção integrada”.