Ana Maria Soares é o rosto da Cruz Vermelha Portuguesa em Mira. Foi professora, reside em Mira.
Fazendo um pouco de história, quando nasceu a Cruz Vermelha em Mira?
A Delegação da CV de Mira foi criada por ato oficial, tomada de posse a 28 de agosto de 2009, com a presença do então presidente da mesma Dr. Luís Eduardo Silva Barbosa.
No entanto iniciamos trabalho durante o ano 2008.
A ideia inicial partiu de um Sr. Joaquim, natural da Ermida, mas residia e colaborava na Figueira da Foz. Ali sonhou com a Delegação em Mira e iniciou contactos, por circunstâncias da vida não chegou a ver o seu sonho realizado porque faleceu. Juntámos um grupo de pessoas e com dedicação iniciámos esta caminhada
Há que referir o imprescindível envolvimento do Dr. Santana Maia, na altura Presidente Regional do Distrito de Coimbra
Foi difícil o arranque?
A Câmara Municipal de Mira, na altura deu todo o aval, assim como as juntas de freguesia de Mira e da Praia de Mira com a instalação recente da Pescanova no Concelho, seria uma mais-valia. Contamos também com a engenheira Hilaria Gabriel, técnica dos Serviços Florestais, e com outras pessoas ligadas ao Comércio local.
Ainda podemos contar com os Hospitais de Cantanhede e o Militar de Coimbra na doação de equipamento para o Posto.
A sede é na Praia de Mira num espaço que foi zona de pesagem de madeira e respetivo escritório dos Serviços Florestais. Esse espaço estava desativado e ao abandono e conseguimos dar-lhe uma nova utilização. Desbloqueada a situação burocrática, com a colaboração da Câmara e da AZULMIR, melhorámos o espaço com WC, Posto de saúde e uma sala de reuniões. A localização é ótima, central, junto ao Parque de campismo e criadas as condições, iniciamos o Posto Humanitário, que funcionou todos os anos na época de Verão até 2012.Prestamos apoio e atendimento aos visitantes e aos residentes gratuitamente com pensos, injeções, verificação de diabetes, tensão arterial e outras orientações até para as picadas de lacraias. Chegando a contabilizar mais de 330 ocorrências nos nossos registos.
Foi um pouco difícil a adaptação a todas as normas da Cruz Vermelha Nacional, pois como é óbvio é uma instituição humanitária, que se rege a nível internacional por normas e princípios fundamentais. Muitas reuniões, formação, muito envolvimento de todos os elementos que integraram a equipa, alguns dos quais já não estão entre nós e que se dedicaram a esta causa de alma e coração. E assim nos sentirmos à altura do desafio.
Do ponto de vista logístico, como tem sido?
Do ponto de vista logístico tem sido difícil de trilhar este caminho, pois como se devem lembrar entrámos em crise em 2012/2015com Passos Coelho, o voluntariado deixou de ser considerado e muito menos apoiado. Os problemas aumentavam dia a dia…
Os enfermeiros foram convidados a emigrar e os nossos 8 jovens não fugiram à regra e procuraram melhorar as suas vidas. Hoje o posto não funciona, emprestamos no Verão aos nadadores-salvadores, Associação ADAMASTOR. Não temos enfermeiros disponíveis, apenas pontualmente e por amizade conseguimos algumas respostas nesta área.
Passámos a focar nos nas outras necessidades das pessoas e sonhámos a Loja Social. A autarquia acabara de adquirir o espaço da antiga Cooperativa, nós ajudámos a organizar e a adaptar o espaço para outras valências e disponibilizaram o armazém e fomos criando condições e encetar uma nova direção.
O antigo FAOJ, estava ao abandono, tinha prateleiras no espaço de apoio ao desporto e passamos muitos dias a desmontar, limpar, recuperar, pintar e a carregar para o armazém que ocupamos atualmente. Conseguirmos uma doação de vitrinas de um antigo café, um frigorífico e uma arca, pela Trianguluz e conseguirmos ter o mínimo de condições para o Apoio Social.
Realizámos várias ações para angariar sócios e para um fundo de maneio. Jantar Solidário, Caminhada pelo Coração, Café com Palavras em todas as freguesias do concelho e dia a dia fomos cimentando a nossa ação.
Conseguirmos ajudas através do trabalho comunitário em pinturas, reparação do piso, limpezas, arrumação de roupas, escolhas. Conseguimos preparar uma sala para atendimento na entrada do armazém, que equipámos convenientemente e a Assistente Social ou outro elemento da direção faziam o registo e acompanhamento. Mas desde os fogos 2017 que deixamos de poder usar esse espaço…
Que apoios é que tiveram durante este tempo?
A Cruz Vermelha Portuguesa já com mais de 150 anos no terreno, é a mãe de todas as delegações espalhadas no nosso país. Já houve tempo em que os apoios surgiam com facilidade, mas atualmente é muito difícil perante os problemas com que se debate o Mundo.
Pelo nosso conhecimento, como rede família da Cruz Vermelha, todas as delegações contam com o apoio das autarquias nas suas várias dificuldades. Em Mira, deixámos de contar com apoio. Para além do espaço armazém que ocupamos nas instalações da antiga cooperativa, não sentimos reconhecimento e apoio, pelo trabalho cívico, social e voluntário que desenvolvemos diariamente por parte da autarquia. Em muitas situações substituímos o que era sua obrigação perante os mais desprotegidos da sociedade.
É um facto que lamentamos e que não aceitamos, mas continuamos motivados em praticar o bem.
Vamos sentindo o conforto no contacto com empresas locais, que nos disponibilizam transportes e ajudas pontuais a vários níveis.
Neste momento o Pingo Doce é o grande suporte, pois recolhemos diariamente os excedentes alimentares que doamos a famílias carenciadas.
Vamos fazendo o nosso melhor sempre com um intuito de Humanidade.
O balanço que faz do trabalho realizado é positivo?
O nosso balanço é positivo, pois ao longo dos anos, vamos tendo a noção da importância e dos resultados que vão surgindo.
Destacamos a nossa atuação e colaboração no projeto Portugal +Feliz em 2017 e 2018.Este possibilitou a 7 famílias vítimas do incêndio, os equipamentos para as habitações, em Eletrodomésticos.
Vamos colaborando com as outras instituições locais e doamos muitos materiais que nos chegam. Fazemos e participamos em Campanhas educativas, assim como somos parceiros no Apoio ao Peregrino.
Sempre com trabalho Voluntário e uma equipa dinâmica.
Quem são as pessoas que são apoiadas?
As pessoas que apoiamos são as que estão fora do sistema, não têm apoio da Segurança Social ou de outras instituições. Fazemos apoio local, ajudando idosos, com pensões pequenas, que mal dão para os medicamentos. Há uma nova realidade com as comunidades brasileira e venezuelana e até ucraniana, são situações dramáticas, pois vêm para um país do outro lado do mundo com pouco mais do que uma mala de mão e depois há a integração, e a busca por condições de vida, casa, roupas, equipamentos calçado, agasalhos e obviamente alimentação. Para além deste drama Humanitário, também temos mães solteiras ou separadas a precisar de apoios pontuais, face a doenças, dívidas, acidentes ou outros problemas que surgem nas vidas.
São muitas as histórias e vamos tentando ser um bálsamo.
No final do ano 2021 chegámos a contabilizar 352 pessoas num universo de 75 famílias.
Como vê o futuro da Cruz Vermelha em Mira?
Este é um momento de grande apreensão, pois a instabilidade que se vive no mundo, não nos dá uma perspetiva promissora de futuro.
Uma instituição que vive apenas de Voluntários terá que ser consciente das suas limitações.
Ao vivenciarmos as catástrofes ambientais, provocadas por vezes pela incúria humana e que trazem consequências graves, desde escassez de bens, limitações nos recursos energéticos e sobretudo na segurança não nos habilitamos a fazer prognósticos.
A competição, a inversão de valores essenciais trazem grandes preocupações.
Desejamos que haja quem queira continuar esta Missão, que possam trazer novos caminhos e novos desafios para que se possa alcançar o melhor Futuro.
Continuamos a confiar na ação da Cruz Vermelha, pois decerto continuará a fazer a diferença no Mundo, como o seu fundador Henry Dunan.
Os princípios fundamentais que nos regem a todos mundialmente marcam a importância de cada ato: humanidade, voluntariado, independência, neutralidade, unidade, universalidade e imparcialidade.