Scroll Top

ANA ROSMANINHO: “TUDO O QUE NOS RODEIA É SEMPRE UMA PROVOCAÇÃO. É UM PROCESSO MUITO SOLITÁRIO. E O FUTURO É HOJE, TENHO PLANOS SIM E SEMPRE, ATÉ QUANDO NÃO SEI.”

ENTREVISTAS

Ana Rosmaninho nasceu em Coimbra e reside em Lisboa. Artista plástica de renome internacional também passou pelo ensino.

Não fiquem sem conhecer o que ela tem a dizer.

 

 

Foi em Coimbra, onde nasceu, que teve início a sua apetência pelas artes plásticas?

Nasci em Coimbra e foi aí, durante a minha adolescência, com diferentes vivências e com estímulo dado por várias pessoas que se atravessaram no meu caminho, fui identificando que a minha escolha definitivamente eram as artes! 

Na verdade, na minha casa, em Coimbra, já mexia em tintas, cheirava terbentina, etc., porque a minha mãe já era muito interessada, de uma forma geral, nas várias disciplinas das artes, o que me estimulou imenso. 

Além de ter em casa essa estreita ligação com várias expressões artísticas, na minha tenra idade, pelos 10 anos, frequentei o Atelier do Museu Machado Castro, onde experimentei e observei várias técnicas. Experimentei técnicas de madeira, modelação em barro, tapeçaria, pintura, etc. Toda essa dinâmica de toques, texturas, cheiros e estímulos vários, com certeza que contribuíram para eu definir este meu caminho. Naturalmente que a educação artística contribui, mas na verdade essa minha característica é inata, como uma “inquietação”! Comunicação pelas artes plásticas é uma escolha para a vida.

 

Até que ponto é que o Movimento Artístico de Coimbra teve influência na sua carreira?

Quando os artistas se juntam em coletivas, é sempre um ponto de encontro que nos ajuda a ponderar a nossa individualidade e essência. Não tem nada de comparação, são momentos de partilha. Os trabalhos dos outros também me interessam muito, são outras “viagens”. Mas naturalmente surgem sempre afinidades e descobertas!

Foi uma época importante porque percebi a existência de outras expressões/linguagens, que o tempo ajudou nesse meu crescimento, transformação e transforma continuamente.

 

Em Lisboa frequentou a Escola Superior de Belas Artes. Que memórias tem desse tempo?

Recordo esses 5 anos na ESBAL, em Lisboa, como anos de aprendizagem essenciais. Só o simples facto de aí encontrar mais artistas por metro quadrado, já filtramos e absorvemos muita informação! Foi nesse espaço que desenvolvi as coordenadas da minha linguagem enquanto artista plástica. Tive professores que foram excelentes e me deram alertas tanto no ponto de vista técnico, estético, etc., como me ajudaram a posicionar-me como artista e comunicadora no ensino da arte. 

 

Lisboa foi mesmo ponto em que o seu caminho nas artes evoluiu?

Lisboa é hoje a minha casa, pela luz, pela proximidade do mar! É outra história, outro capítulo! 

Enquanto estudante na ESBAL tive múltiplas oportunidades, fora da Escola das Belas Artes, trabalhei num atelier de restauro de pintura, num atelier de pedra, experimentei fundição de metais e técnicas de gesso, etc. Em Lisboa as oportunidades de contactar com outras técnicas, o contacto com o trabalho de outros artistas, outros espaços, deu-me uma consciência global das artes. Aprendi que uma coisa é a produção artística e outra é o mercado das artes, que foge completamente do controle do artista! No mercado da Arte, os artistas são orquestrados pela formação de opinião de outros. Este assunto não é português é mundial! Difícil é escapar, mas vivo tranquila dentro deste universo, pois viver é sempre um desafio e a Arte só existe enquanto houver pessoas. 

Mas Coimbra, é onde estão as minhas raízes, não esqueço as pessoas que aí me deram vários alertas e as vivências que tive! Para viver em Lisboa o programa já tem de estar bem definido, vim com objetivos bem estruturados, para não haver dispersão. 

Lisboa é uma cidade estimulante.

 

Ao longo da sua carreira conheceu grandes nomes das artes. Algum lhe merece algum destaque?

Conheci e conheço muitos artistas que merecem o meu respeito pela autenticidade. 

Não só nas artes plásticas, na literatura, no bailado, na música, no design, na arquitetura, etc.  Enumerava uma série deles, com linguagens diferentes, não interessa se estão mortos ou vivos, porque na verdade é o trabalho que prevalece e esse legado pode ser muito estimulante e acompanhar gerações. Inclusivamente as muitas obras que restaurei de artistas dos séculos XVII, XVIII, XX etc., foram enormes aprendizagens! Percorri esses caminhos, essas escolas que me deram alguma elasticidade para entender o que efetivamente é intemporal e o que não passa de um exercício isolado sem compromisso!  

Artistas estrangeiros e portugueses de todos os tempos, fazem parte da minha formação estética. Porque as pessoas gostam de referenciais, posso sugerir visitas a Museus de artistas portugueses, que nos dão momentos de grande qualidade. Por exemplo: Júlio Pomar, Paula Rego, Maria Helena Vieira da Silva, Soares dos Reis, Amadeo Souza-Cardoso, etc. Sugiro visitas guiadas aos Museus ou a exposições de arte no CCB, no Museu de Arte Antiga, Gulbenkian, Serralves, Maat, etc. Pois estas são as minhas sugestões, para quem quer entrar neste mundo. Desde já aviso que podem ficar viciadas, pois quem entra e percebe como a arte mexe com as nossas vivências, o mundo passa a ser percecionado de outra forma e experimentar é muito válido para se entender o processo e é um apelo para desenvolver o espírito critico! Consciência que nós mudamos sem medo, é preventivo para a nossa saúde mental, assim como gerir e adaptar o vocabulário a essa mudança, é um exercício que nos surpreende sempre!

 “Mudar é difícil, não mudar é fatal” como diz Leandro Karnal.

 

 

Pintura, escultura, ensino. Em qual dos três se sentiu, se sente, melhor?

O ensino e a produção artística têm em comum como alvo, pessoas! Como nós nos devemos articular nos dois processos de comunicação são exercícios orgânicos, com ponderações diversas. 

É sempre desafiante comunicarmos com turmas de adolescentes, que procuram respostas para os seus caminhos! “Esculturas vivas” com múltiplos desafios.

No ensino sinto-me hoje completamente à vontade, porque existem recursos que facilitam a comunicação. No processo de passar o conhecimento, tenho o cuidado de desafiar a criatividade, sentido critico dos adolescentes e desenvolver-lhes mecanismos de autonomia. 

A Pintura e escultura são linguagens que exigem mais ponderação, recursos técnicos e estéticos, pois não se trata de um trabalho de produção em série. São mundos diferentes, mas de alguma forma contagiam-se. Fazer as duas coisas ajuda a concretizações mais ponderadas. Apesar do ensino hoje, absorver-nos numa imensa burocracia escusada, sobra pouco tempo para mais produção artística, sim é disso que me queixo!! 

 

Participou em Exposições Coletivas e Individuais de Pintura e Escultura em Portugal e vários outros países. Sentiu aí o grande reconhecimento pela artista que é?

Na ESBAL, optei pelo exercício da escola clássica e fiz inúmeros bustos (retratos de figuras publicas, nomeadamente do Pavarotti). Naturalmente que aí obtive conhecimento de uma técnica mais exigente, mas deu-me a ponderação que precisava para ousar na minha expressão posterior!

Esta minha experiência de levar o meu trabalho a vários países tem sido uma gestão complexa, mas com inúmeros episódios muito gratificantes. Era meu objetivo perceber como é que diferentes culturas comentavam o meu trabalho. Tive excelente recetividade em todo lado onde passei. O reconhecimento sentido refletiu-se em convites para conferências, júri em concurso, encomendas sistemáticas! Mas o que de facto me interessa é que não preciso de assinar os quadros, pois já identificam a autora! Este era o meu objetivo!

 

Coimbra é a sua cidade. Que recordações tem da terra que a viu nascer?

Coimbra sempre será a minha cidade. É a minha matriz! Cidade que tem tudo para dar certo e enrosca-se como um caracol. Cidade com uma história fabulosa, cidade onde a escola/universidade é o seu coração! Cidade que formou e acolheu tanto cérebro de excelência! Tenho comigo aí as melhores experiências da minha vida. 

Tenho projetos para essa cidade, para sair desse fecho, talvez um dia aconteçam! 

 

 

“O tempo e o erro esses grandes escultores” é uma frase que penso seja da sua autoria. Quer explicar melhor?

 «O Tempo Esse Grande Escultor» título de uma obra de Marguerite Yourcenar, o tempo dá aos seus textos outro fulgor mas, para já, é possível apreciá-los na discreta exigência que marca toda a obra da autora. 

Na minha prática de pintora e escultora, ao longo das minhas produções fui percebendo da importância que o Tempo tinha no meu trabalho. Quando iniciei aventura de fazer exposições individuais de pintura, os quadros ainda iam frescos para a exposição, pois as dúvidas para a finalização dos mesmos sempre surgiam! E só quando a exposição terminava é que eu colocava verniz nos quadros na entrega aos compradores! (Daí o nome que se dá à vernissage!) 

Percebi mais tarde que tinha essa falha de planeamento do Tempo. 

Há outro fator paralelo, que acontece a qualquer ser humano, julgando com frequência e de uma forma precipitada, quando observa qualquer objeto, dizendo gosto ou não gosto e mais tarde muda de opinião. Isso é muito vulgar acontecer! 

Questão muito vulgar: Como avaliar a intemporalidade dos objetos, o que é uma Obra de Arte? Ora aí está o que procuro, esse olhar “clínico”. é um exercício espantoso. Com o passar do tempo, de muita informação acumulada e muito caminho feito com múltiplas experiências e exposições, consigo hoje perceber o valor desse poderoso Tempo!

Associei a essa palavra Tempo, outra palavra igualmente modeladora, o Erro, porque também esses percalços/erros, mostraram-me soluções extraordinárias que me abriram caminhos. 

Houve muitos momentos que os temas pintados/esculpidos não me agradavam, nem me surpreendiam, passei a pegar em materiais e aleatoriamente experimentava e fui-me apercebendo que nessas múltiplas experiências sem direção, obtinha soluções incríveis, por vezes pormenores que me davam resultados interessantes. 

Daí que, a compreensão da importância do Tempo e do Erro, como escultores, trouxeram-me vantagens imensas neste meu caminho.

Aliás, como professora, o Erro dos meus alunos só me aproxima mais deles e promovem o seu crescimento como seres mais aptos! 

Ou seja, Tempo e Erro são meus grandes guias que me acompanham no processo produtivo e criativo. 

 

Que espera, ainda, a artista Ana Rosmaninho do futuro?

Esteja onde eu estiver o meu mecanismo de produção artística é uma constante e pode ser materializado com tintas, palavras, pedra, etc. Posso estar simplesmente a escutar ou a observar, seja o que for, o meu Atelier está sempre ativo. Sei bem que o objeto artístico só acontece se eu lhe der um corpo. 

Tudo o que nos rodeia é sempre uma provocação. É um processo muito solitário! 

E o futuro é hoje, tenho planos sim e sempre, até quando não sei! 

Posts relacionados