A Escola Pública está doente. Disso já ninguém duvida. Que mais não seja pelos gritos de revolta que se têm feito sentir nos últimos meses. E se os Professores continuam a sair à rua é porque a Escola e a Democracia correm riscos de finar.
A Democracia começa na escola. Não há escola sem professores. No entanto, para se perceber de que doença padece a Escola Pública, será necessário fazer um diagnóstico. Procurar os sintomas, avaliar o seu historial e encontrar os seus coveiros. Se a doença tem cura? Talvez seja tarde demais…
Porque está então doente a Escola? Porque desde algumas décadas a esta parte que sucessivos tecnocratas de gabinetes ministeriais se têm encarregado de destruir a mais nobre profissão: professor.
Esta destruição massiva começou sensivelmente por volta de 2005, com uma ministra de má memória, que iniciou uma campanha difamatória sem precedentes contra os professores, chegando a afirmar em 2006 “Perdi os professores, mas ganhei os pais e a população”. Hoje, podemos dizer, estamos no abismo. E só quem lá trabalha compreende a profundidade desta constatação.
No sistema educativo atual, o professor não ensina, pois o conhecimento passou para segundo plano. A função do professor encontra-se diluída entre uma miscelânea de funções que lhe sugam a verdadeira essência. Tornou-se num burocrata profissional ao serviço de uma máquina produtora de burocracia. Interessa não ensinar, não pensar, não criticar nem refletir, mas sim satisfazer diretrizes superiores, onde se pensa, não em pessoas, mas sim em números. Interessa a estatística comparativa com os dados europeus, para que se pareça que estamos ao mesmo nível. No entanto, estamos a ludibriar os dados, uma vez que eles não traduzem a realidade. Na Escola Pública atual, passar não é sinónimo de aprender. E perguntam alguns, porquê? Porque hoje a Escola serve para tudo, menos para a função com que foi criada. É um lugar onde se depositam crianças e jovens, cuja função passou a ser a de assistência social. Ora, a sociedade e a tutela têm os valores invertidos e atribuem à escola um papel que não o primordial.
Que ensina hoje a Escola aos jovens?
Que não é necessário trabalhar para se passar de ano. Que se premeia a falta de empenho. Que se aceita impunemente a indisciplina. Que se aceita a normalização do desrespeito em
relação aos professores e a todos os que trabalham na Escola. Que se promove o facilitismo. Que se cultiva a ignorância. Que se nega a ética e a moral.
Devemos pactuar com tais atentados à maior das criações da Democracia? Não. É urgente travar tal processo, sob pena de estarmos a criar uma sociedade de indivíduos inaptos intelectualmente, acríticos, intolerantes e incapazes.
A tutela está em negação com os factos que estão à vista. Hoje não há quem queira ser professor. Há milhares de alunos sem professor, pelo menos a uma disciplina desde o início do ano letivo. E não tarda nada, não vai haver professores. Basta olhar para os números dos que saem das Universidades. Não adianta à tutela querer condenar os professores ao desterro. Não os vai haver! A Profissão tornou-se pouco atrativa, desgastante e altamente desmotivante. Cada vez menos jovens mostram preferência por cursos de ensino, a par de um dos mais graves problemas, o envelhecimento do corpo docente, um dos mais envelhecidos e mais mal pagos da Europa, de acordo com dados da OCDE. Mais de metade dos professores em funções tem mais de 50 anos, enquanto que o número de aposentados aumenta de dia para dia. Muitos saem do sistema com grandes penalizações nas suas reformas.
A Pordata avançou com dados que são verdadeiros sinais de alarme. Ao comparar o número de diplomados que terminaram cursos via ensino entre 2003 e 2019, verificou que, por exemplo, no caso da disciplina de Física e Química, foram 301 em 2003 e apenas 8, em 2019, fazendo-se notar o decréscimo de diplomados em todas as áreas disciplinares de forma muito expressiva. O número de professores a entrar no sistema reduziu exponencialmente nos últimos anos, acrescido do número dos que, na última década, saíram do sistema. E não é baixando a qualidade da formação e das habilitações, como se tem tentado fazer, que se resolve este problema. E o regime de concursos de professores aprovado recentemente, sem a anuência dos sindicatos, não contribui para a estabilidade imperativa.
Por isso, os Professores estão na rua! E têm estado nos mais diversos e originais formatos, com grandes sacrifícios nas suas vidas pessoais. Conseguiram, finalmente, colocar o tema da Educação na ordem do dia, desconstruindo certos preconceitos e inverdades, incutidos na sociedade, nos diversos meios de comunicação social, com a chancela da tutela. Hoje, estamos a pagar uma fatura muito cara. E não é o dano imediato que as greves possam causar que está
a provocar verdadeiro prejuízo, mas sim as consequências que, a curto e médio prazo, se farão sentir devido às más opções políticas, pondo em causa as futuras gerações.
No entanto, por mais inegáveis e justas que sejam as reivindicações dos professores, eles clamam, sobretudo, por respeito! Reclamam contra a proletarização da sua profissão. Exigem
o reconhecimento do seu papel intelectual. Os Estados que não reconhecem a importância das classes profissionais que são decisivas na construção de um tecido social crítico estão a fomentar a degeneração do tecido social em toda a sua dimensão com todas as consequências que daí advêm. E isso é perigoso. A História já nos deu imensos exemplos. Temos de tirar as devidas ilações. A quem serve uma sociedade iletrada? Seres pensantes podem ser perigosos.
É, pois, urgente valorizar os profissionais da educação, reconhecê-los como elementos essenciais na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. É urgente unir a sociedade civil em torno deste urgente objetivo: salvar a Escola Pública. A Escola Pública que é o único elevador social. Sem ela, as diferenças sociais tornar-se-ão cada vez mais acentuadas.
Por isso, luta-se por Respeito!
É urgente devolver a confiança, a autoridade e o respeito ao professor, sob pena de estarmos a hipotecar a sociedade futura. Os professores de hoje encontram-se enclausurados, no que se refere ao exercício da sua atividade profissional. É urgente devolver-lhes a liberdade!
É urgente os professores terem tempo para os seus alunos, epicentro nobre da profissão docente, poderem investir na sua formação, fazendo a diferença nas suas vidas. Ser professor é também ter uma predisposição inata para ouvir o outro, para fazer da empatia uma palavra válida e plena de sentido. E os alunos sabem o que é terem professores motivados, felizes, que deixam um rasto indelével nas suas vidas. Isto acontece apesar das lutas por uma profissão digna, do despeito com que são tratados pela tutela, porque amam a sua profissão e sabem que, ao entrar numa sala de aula, o importante são as crianças e jovens que têm à sua frente.
Mas a luta de hoje é por muito mais que isso. A luta de hoje tem por objetivo não deixar morrer a Escola. A morte da Escola é a morte da Democracia.
É nosso dever não deixar morrer a Escola Pública!
Ernestina Tiago
Professora de História do Agrupamento de Escolas de Mira